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Presidentes de província

Publicado: Quinta, 21 de Dezembro de 2023, 08h17 | Última atualização em Quinta, 21 de Dezembro de 2023, 10h25 | Acessos: 458
Carta topográfica e administrativa da província da Bahia, 1857
Carta topográfica e administrativa da província da Bahia, 1857

O cargo de presidente de província foi criado por lei de 20 de outubro de 1823, que deu nova forma aos governos provinciais, em substituição às juntas provisórias de governo, estabelecidas por decreto de 29 de setembro de 1821. O ato de 1823 instituía ainda o conselho de governo, órgão consultor composto em cada província por seis membros eletivos, e o cargo de vice-presidente.As juntas provisórias de governo, predecessoras dos presidentes de província, foram estabelecidas a partir de 1821, em substituição aos capitães e governadores das capitanias, no contexto de vigência das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, instaladas após a Revolução do Porto, com o objetivo de elaborar uma constituição para Portugal e seus domínios ultramarinos. Os critérios eleitorais para participação de deputados nas Cortes Gerais impuseram a alteração da organização político-administrativa do Reino do Brasil. As capitanias passaram a denominar-se províncias e foram dotadas de autonomia para elegerem seus representantes, desde que declarada sua adesão a Portugal (Berbel, 2006, p. 230-234). Em 1º de janeiro de 1821, o Pará anunciou sua filiação às Cortes Gerais, seguido pela Bahia, em 10 de fevereiro, acompanhadas pelas províncias do Piauí, Maranhão e Pernambuco. Foram instaladas juntas de governo no Pará e na Bahia, sem a existência de um ato formal, seguindo-se os decretos de 1º de setembro, que organizou uma junta provisória em Pernambuco, e de 1º de outubro de 1821, que estendeu esta forma de governo às demais províncias do Reino do Brasil.

O governo da província competia às juntas provisórias, bem como toda a autoridade e jurisdição nos âmbitos civil, econômico, administrativo e de polícia. Seus membros eram escolhidos de forma eletiva, pelos eleitores de paróquia, variando sua composição conforme a província. No caso das províncias então governadas por capitães-generais, seriam formadas por sete membros, a saber: Bahia, Goiás, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Nas demais províncias, em que não havia capitães-generais, mas somente governadores, seriam cinco membros, isto é: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Alagoas, Sergipe, Espírito Santo e Santa Catarina (Brasil, 1889b).

Às juntas ficavam subordinados todos os magistrados e autoridades civis, exceto no que se referisse ao poder contencioso e judiciário, jurisdição que competia ao governo do Reino e às Cortes Gerais, cabendo-lhes ainda a fiscalização dos “procedimentos dos empregados públicos civis” (Brasil, 1889b). Por fim, o governo militar não competia à instância das juntas provisórias, mas à dos governadores das Armas das Províncias do Brasil, subordinados ao governo do Reino (Brasil, 1889b).

Em 1822, após o regresso de d. João VI para Portugal, foi criado pelo príncipe regente, d. Pedro, o Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, por decreto de 16 de fevereiro. O conselho, presidido por d. Pedro, era composto por representantes de cada província, nomeados pelos eleitores de paróquia nas cabeças de comarca, e por todos os ministros e secretários de Estado. Sua função era aconselhar o príncipe regente e propor medidas para o bem do Reino Unido e a prosperidade do Brasil, além de zelar pelas províncias (Brasil, 1887). A criação deste conselho fez parte do processo de abertura de espaço de representatividade das províncias no cenário de crise político-institucional que se travou ao longo do processo de independência, “com vistas a possivelmente minimizar os riscos de uma possível ruptura ou fragmentação territorial” (Gouvêa, 2008, p. 18).

É importante sublinhar a atuação do Conselho de Procuradores-Gerais das Províncias por ocasião da crise instalada pelas deliberações das Cortes Gerais que visavam recuperar a centralidade política de Portugal no Império luso-brasileiro. A criação do conselho fortaleceu as relações da Corte do Rio de Janeiro com as províncias, o que acabava por oferecer às elites locais uma alternativa política à proposta defendida pelos deputados portugueses de um único centro governativo, o que significava um retrocesso em relação à autonomia adquirida pelo Brasil após a vinda da família real, em 1808.

A finalização dos trabalhos das Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa, em 4 de novembro de 1822, transformadas em uma assembleia ordinária, encontrou o Brasil já independente. À emancipação política de Portugal seguiu-se a estruturação político-institucional do novo Estado, que se pautava pela modelagem institucional conferida pelo modelo constitucionalista que embalara as revoluções liberais do século XIX que colocaram em questão o absolutismo (Slemian, 2007). No Brasil, a monarquia constitucional que se estabelecera deveria equacionar questões como estabilidade interna e o risco de fragmentação, além da reivindicação por maior representatividade de diferentes grupos. Neste sentido, o aparato institucional e o ordenamento jurídico tornaram-se dimensões relevantes na organização do país independente, o que envolveu importantes disputas em torno de projetos políticos distintos.

Convocada por d. Pedro em 3 de junho de 1822, antes da independência política de Portugal, mas instalada somente em 3 de maio de 1823, a Assembleia Nacional Constituinte tinha como tarefa elaborar uma constituição para o Reino do Brasil. Durante os trabalhos da constituinte, foram aprovados seis projetos que não dependiam da sanção imperial. Entre tais projetos estava a extinção do Conselho de Procuradores-Gerais, por lei de 20 de outubro de 1823, que estabelecia que, enquanto a Constituição a ser elaborada não decretasse a existência formal de um conselho, seriam conselheiros os ministros e secretários de Estado. Por ato da mesma data foram abolidas as juntas provisórias de governo provincial e instituídos o cargo de presidente de província e os conselhos gerais de província.

A apresentação de três propostas de lei para dar uma nova forma ao governo das províncias e extinguir as juntas de governo evidencia a relevância que assumiram as províncias no contexto político da independência brasileira, “em detrimento do âmbito municipal, que perderia substancialmente sua autonomia predominante durante toda a colônia” (Slemian, 2007a). Apesar das divergências em vários pontos dos projetos apresentados, havia a concordância de que a nomeação do presidente seria realizada pelo imperador, sendo aprovado o projeto do deputado paulista Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, que serviu de base às discussões.

Conforme a lei de 20 de outubro de 1823, o governo das províncias era confiado provisoriamente ao presidente e ao conselho. O presidente, nomeado pelo imperador e amovível, quando o julgasse conveniente, seria o executor e administrador da província e, como tal, estritamente responsável. Ao presidente cabia despachar e decidir todos os negócios em que o regimento não exigisse a cooperação do conselho. Para o expediente o presidente contava ainda com um secretário, que serviria também ao conselho, mas sem voto, nomeado igualmente pelo Imperador, e amovível quando julgado conveniente. Haveria ainda, no governo da província, um vice-presidente, cargo ocupado pelo conselheiro que obtivesse o maior número de votos.

Os conselhos eram compostos de seis membros em todas as províncias, eleitos da mesma forma como se elegem os deputados gerais, não podendo ser eleito conselheiro o cidadão com idade inferior a trinta anos e com residência na província por menos de seis anos. O órgão não era permanente e reunia-se somente uma vez em cada ano, durante dois meses, salvo se houvesse algum motivo superior para ser convocado extraordinariamente pelo presidente da província. O presidente poderia ainda convocar extraordinariamente parte do conselho para consulta, optando nesta convocação pelos conselheiros “a quem menos incomode o comparecimento” (Brasil, 1823).

O presidente e o secretário faziam jus a um ordenado, pago pela Fazenda da respectiva província, com valores variáveis. Presidente e secretário não podiam receber nenhuma outra retribuição enquanto estivessem em seus cargos, tampouco emolumentos por qualquer título que fosse. Os membros do conselho não possuíam ordenado fixo, mas uma gratificação diária pelo período dedicado às reuniões, cujos valores variavam de acordo com a província.

O presidente despachava por si só todos os negócios para os quais o regimento não exigisse especificadamente a cooperação do conselho, mas deveria comunicar suas decisões. Cabiam ao presidente do conselho assuntos como o estabelecimento de câmaras; a promoção econômica da província, pelo fomento da agricultura, do comércio e da exploração mineral; a proposição de obras e melhoramentos, bem como a abertura e conservação de estradas; o incentivo à educação; a fiscalização dos estabelecimentos de caridade, prisões e casas de correção e trabalho; a realização do censo da província; o estímulo às missões e catequese dos indígenas, e à colonização dos estrangeiros; a promoção do bom tratamento dos escravos e a proposição de arbítrios para sua lenta emancipação; o controle da arrecadação e das contas públicas das comarcas; a decisão sobre os conflitos de jurisdição entre as autoridades; o atendimento às queixas contra os funcionários públicos.

O presidente de província era ainda responsável pela administração e arrecadação da Junta da Fazenda Pública, a qual também presidia. Da mesma forma, cabia-lhe a presidência das juntas de justiça, onde houvesse. A administração da justiça seria independente do conselho e do presidente da província, podendo o presidente, onde houvesse Relação, suspender magistrados, devendo o conselho ser necessariamente consultado. O comandante militar da província também poderia ser suspenso pelo presidente em nome da causa pública, devendo igualmente o conselho ser ouvido, e não poderia utilizar a força contra “inimigos internos” ou fora da província sem a prévia autorização do presidente em conselho ou apenas do presidente, quando não fosse possível a convocação (Brasil, 1823).

Assim, a lei de 1823 conferiu um lugar especial às províncias no arranjo político pós-independência. Ainda que tenha mantido os presidentes sob a nomeação do imperador, o que colocava o Executivo provincial subordinado aos interesses da Corte, o estabelecimento dos conselhos gerais acabou por compartilhar o poder provincial entre estas duas esferas. E ainda, como órgão eletivo cujos membros deveriam ter seis anos de residência na província, o conselho acabou por constituir-se como um espaço de representação dos interesses das elites regionais frente ao governo central, num período em que as províncias ganharam importância e as dinâmicas locais, maior expressão. A historiografia aponta que a residência obrigatória na província conferiu uma característica distintiva às assembleias provinciais, em contraposição aos presidentes de província, que em geral eram representantes do governo central, estranhos à região e não raro permaneciam por pouco tempo no cargo, o que levava a uma grande alternância e à reduzida continuidade das ações administrativas.

Fechada a Assembleia Nacional Constituinte, após uma crise política ao longo de seus trabalhos com o imperador, em 12 de novembro de 1823, ao Conselho de Estado foi conferida a tarefa de elaborar uma nova constituição, que seria outorgada por d. Pedro I em 25 de março de 1824. A Constituição preservou algumas das disposições da lei de 1823, referentes à organização e ao funcionamento das províncias. Foi estabelecido um governo unitário e mantida a divisão do território brasileiro em províncias, cujos presidentes subordinavam-se ao chefe do Poder Executivo, o imperador (Brasil. Constituição (1824), art. 165).

A Constituição criou uma instância de poder na administração provincial, o Conselho Geral de Província, em cada uma das capitais, exceção feita ao Rio de Janeiro, onde estava a capital do Império. Seu funcionamento assegurava o “direito de intervir todo o Cidadão nos negócios da sua Província, e que são imediatamente relativos a seus interesses peculiares” (Brasil. Constituição (1824), art. 71). A diferença entre os dois conselhos, o de governo, estabelecido em 1823, e o novo, instituído pela Constituição, estava em seu funcionamento independente do presidente da província, que não o presidia (Slemian, 2007a).

Cada conselho geral seria composto por vinte e um membros nas províncias mais populosas, ou seja, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco, Rio Grande do Sul e São Paulo; e treze membros nas de Alagoas, Amazonas, Espírito Santo, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe. De formação eletiva, seus membros seriam eleitos da mesma maneira que os deputados gerais, e pelo tempo de cada legislatura, e deveriam ter a idade mínima de vinte e cinco anos, além de probidade e “decente subsistência”. O conselho seria reunido todos os anos por dois meses, prazo que poderia prorrogar-se por mais um mês (Brasil. Constituição (1824), Capítulo V – Dos Conselhos Gerais de Província, e suas atribuições).

Eram objetivos do Conselho Geral, conforme a Constituição, “propor, discutir, e deliberar sobre os negócios mais interessantes das suas províncias; formando projetos peculiares, e acomodados às suas localidades, e urgências” (Brasil. Constituição (1824), art. 81). Estas atribuições bastantes amplas foram complementadas por restrições à sua atuação impostas pela Carta, o que incluía não propor ou deliberar sobre interesses gerais da nação, ajustes entre províncias, assuntos de competência privativa da Câmara dos Deputados, e sobre execução de leis (Brasil. Constituição (1824), art. 83). E ainda, as câmaras municipais deveriam remeter seus negócios oficialmente ao secretário do conselho, onde seriam discutidos. As resoluções do conselho geral seriam encaminhadas diretamente ao Poder Executivo, por intermédio do presidente da província, que as enviaria à assembleia geral, a quem caberia aprová-las ou não (Brasil. Constituição (1824), art. 84).

Assim, se a Constituição pouco avançou sobre as atribuições do cargo de presidente de província, mantendo em linhas gerais o que fora definido pela lei de 1823, alterou o equilíbrio de forças no âmbito regional, ao criar os conselhos gerais. Os conselhos não apenas representavam um lócus de discussão dos negócios provinciais, como evidenciavam o papel das províncias no novo arranjo político do Império, especialmente sob o ponto de vista da representatividade e da participação política “dos cidadãos no novo sistema do governo constitucionalista então instituído” (Gouvêa, 2008, p. 19).

A Constituição previu que a Assembleia Geral apresentaria um regimento para os conselhos gerais de províncias, que foi aprovado pela lei de 27 de agosto de 1828. A partir desta data os conselhos gerais foram instituídos nas capitais das províncias, funcionando “concomitantemente aos da presidência, em períodos ou em dias separados por existirem conselheiros eleitos para ambos” (Slemian, 2007a). Este arranjo da organização das províncias manteve-se até a aprovação da lei n. 16, de 12 de agosto de 1834, também conhecida como Ato Adicional, que alterou a Constituição de 1824 e ampliou a dimensão das reformas liberais até então empreendidas. Pelo Ato Adicional, os conselhos gerais foram transformados em assembleias legislativas provinciais, o que ampliava a autonomia político-administrativa conferida às províncias em detrimento do centralismo excessivo da Corte. Esta transformou-se no Município Neutro, separando-se da província do Rio de Janeiro, cuja capital foi estabelecida na então Vila Real da Praia Grande, que no ano seguinte passou a denominar-se Niterói.

Assim, as províncias passaram a contar com esferas distintas de decisão político-administrativa, a presidência da província, cuja nomeação cabia ao governo central, e as assembleias legislativas, com membros escolhidos de forma eletiva. A eleição se faria nos moldes da realizada para a Assembleia Geral Legislativa, sendo a legislatura nas províncias de dois anos, prevista a reeleição. A composição das assembleias variava, sendo 36 membros nas províncias da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo; 28 em Alagoas, Ceará, Pará, Paraíba e Rio Grande do Sul; e 20 no Amazonas, Espírito Santo, Piauí, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Sergipe.

O Ato Adicional atribuiu às assembleias legislativas autonomia de legislar sobre uma gama variada de assuntos, como a divisão civil, judiciária e eclesiástica da província; a instrução pública; a desapropriação por utilidade municipal ou provincial; a criação, supressão e nomeação para os empregos municipais e provinciais, bem como o estabelecimento dos seus ordenados; a suspensão ou demissão de magistrados; obras públicas; prisões; estatística; catequese dos indígenas; colonização; casas de socorros públicos, conventos e quaisquer associações políticas ou religiosas. As assembleias passaram também a ter controle sobre impostos e despesas municipais e provinciais, assim como sobre a autorização da contratação de empréstimos pelas câmaras e províncias, a distribuição da contribuição dos municípios e a fiscalização do emprego das rendas públicas provinciais e municipais, e das contas de sua receita e despesa (Brasil. Ato Adicional (1834a), arts. 10, 11 e 12). Como vemos, o Ato Adicional reforçou a tendência de esvaziamento político dos municípios que se verificou após a independência, ao transferir para as assembleias a ampla jurisdição sobre as câmaras municipais.

Logo após a aprovação do Ato Adicional e a criação das assembleias legislativas provinciais, os presidentes de província tiveram finalmente um regimento aprovado, pela lei n. 40, de 3 de outubro de 1834. A lei definiu ser o presidente a primeira autoridade da província, seu ordenado e ajudas de custo, bem como a forma de escolha do vice-presidente, que se dava por meio de lista sêxtupla aprovada pela assembleia legislativa provincial, a ser levada ao imperador, a fim de de determinar a ordem numérica da substituição. Ficava revogada a lei de 20 de outubro de 1823 e extinto o conselho da presidência, passando ao presidente as atribuições que lhe competiam em conselho.

O novo regimento determinou ser competência dos presidentes de província executar e fazer executar as leis; cumprir e mandar cumprir todas as ordens e decretos do governo sobre qualquer objeto da administração provincial; exigir dos empregados informações e participações para a boa execução das leis; inspecionar as repartições; dispor da força a bem da segurança e tranquilidade da província; exercer as atribuições legais sobre as tesourarias provinciais; prover os cargos, incluindo provisoriamente aqueles de nomeação do imperador, e encarregar os empregados dos negócios provinciais, receber juramento e dar posse, e conceder licença; suspender empregados, incluindo os magistrados, observada a lei de 14 de Junho de 1831; decidir temporariamente sobre os conflitos de jurisdição entre as autoridades provinciais; participar ao governo os embaraços na execução das leis e todos os acontecimentos notáveis; e informar com brevidade os requerimentos ou representações, que por seu intermédio se fizerem ao governo; bem como as promoções militares (Brasil, 1834b).

Com o regimento e a extinção dos conselhos da presidência, os presidentes de província tiveram ampliadas suas competências e fortalecidos o Executivo provincial e a província como unidade político-administrativa, especialmente com a instituição das assembleias legislativas locais, “peça fundamental de integração do Império sob a égide monárquica constitucional” (Slemian, 2007a).

Em 1840, foi promulgada a lei n. 105, de 12 de maio de 1840, cujo objetivo era interpretar a revisão constitucional promovida pelo Ato Adicional em 1834, que conferiu um novo arranjo político para as províncias brasileiras. A chamada Lei de Interpretação do Ato Adicional, aliada à reforma do Código de Processo Criminal, em 1841, e o restabelecimento do Conselho de Estado assinalam a reação conservadora às reformas liberais promovidas a partir da década de 1830, sob o argumento de que colocavam em risco a integridade do Império brasileiro. O período regencial (1831-1840) foi marcado por uma conjuntura política turbulenta, em que as revoltas que ocorreram em várias províncias alimentavam o temor de desintegração da unidade territorial e política do Império, servindo de mote para a construção de um projeto da elite brasileira em torno da revisão das medidas liberais que vinham sendo experimentadas, especialmente após o Ato Adicional de 1834.

A Lei de Interpretação suprimiu competências administrativas das assembleias provinciais, que passaram a resumir-se à polícia e à economia municipal, não incluindo a polícia judiciária, subordinada ao poder central. Suprimia ainda a responsabilidade de alterar a natureza e as atribuições dos empregos municipais e provinciais, quando estabelecidos por leis gerais, cabendo-lhes legislar somente sobre o número desses empregados. Assim, saía da alçada das assembleias provinciais a jurisdição sobre funcionários da justiça e da polícia, processo que seria concluído em 1841, com a reforma do Código do Processo Criminal. Com isso, a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça assumiu as funções criminais e judiciais exercidas pelos chefes de polícia, delegados e juízes municipais, antes a cargo dos juízes de paz. De forma semelhante, definiu também que o poder dos presidentes de província de nomear, suspender e demitir os empregados provinciais referia-se apenas àqueles cuja função era legislar, não incluindo os criados por leis relativas a objetos da competência do Poder Legislativo Geral. No ano seguinte, pelo decreto n. 207, de 18 de setembro de 1841, os vice-presidentes tornavam-se de livre nomeação do imperador, podendo ser removidos a qualquer momento.

A Lei de Interpretação do Ato Adicional, a reforma do Código de Processo Criminal e a alteração na forma de escolha dos vice-presidentes restringiram a autonomia das províncias em sua organização político-administrativa, atribuindo ao governo central a jurisdição fazendária e judiciária, antes exercidas pelas assembleias legislativas provinciais (Gouvêa, 2008, p. 23). A constituição da província como unidade político-administrativa e a criação do cargo de presidente de província, de livre escolha do imperador, foi uma das dimensões do processo de formação do Brasil independente. O desafio da manutenção da unidade territorial do Império brasileiro conformou boa parte dos debates dos contemporâneos, o dilema da centralização e descentralização e a concessão de autonomia para as províncias fez parte da disputa de diferentes de grupos políticos em torno de projetos distintos de construção do Estado Nacional. As províncias e seus presidentes mantiveram ao longo do Segundo Reinado a organização político-administrativa e as funções que foram definidas pelo arranjo jurídico conferido na primeira metade do século XIX. Para além do contorno específico de maior centralização que adquiriu a monarquia constitucional após a década de 1840, as dinâmicas locais acabariam por produzir feições variadas para as províncias decorrentes de uma série de fatores, a articulação entre as províncias e o governo central, garantiu um papel importante para as elites e os interesses regionais no cenário político nacional novecentista.

Dilma Cabral
Jul. 2023

 

 

Fontes e bibliografia

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BERBEL, Márcia Regina. Os apelos nacionais nas cortes constituintes de Lisboa (1821/22). In: MALERBA, Jurandir (org.). A independência brasileira: novas dimensões. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. p. 181-207.

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BRASIL. Decreto de 1º de setembro de 1821. Sobre a organização da Junta Provisória e Governo das Armas da província de Pernambuco. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 34-35, 1889a.

BRASIL. Decreto de 1º de outubro de 1821. Determina provisoriamente a forma de administração política e militar das províncias do Brasil. Coleção das leis do Brasil, Rio de Janeiro, p. 35-38, 1889b.

BRASIL. Lei de 20 de outubro de 1823. Dá nova forma aos governos das províncias, criando para cada uma delas um presidente e conselho. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 10, 1823.

BRASIL. Lei n. 16, de 12 de agosto de 1834. Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos termos da lei de 12 de outubro de 1832. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 15, 1834a.

BRASIL. Lei n. 40, de 3 de outubro de 1834. Dá regimento aos presidentes de província, e extingue o Conselho da Presidência. Coleção de Leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, p. 53, 1834b.

GOUVÊA, Maria de Fátima. O Império das províncias: Rio de Janeiro, 1822-1889. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

GOUVÊA, Maria de Fátima. Províncias. In: VAINFAS, Ronaldo (org.). Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

JUNTAS PROVISÓRIAS DE GOVERNO [das províncias]. In: DICIONÁRIO da Administração Pública do Período Colonial, 2013. Disponível em: https://shre.ink/a7iJ. Acesso em: 31 jul. 2023.

MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo saquarema. São Paulo: Editora Hucitec, 2004.

OMEGNA, Nelson. As juntas governativas e a Independência. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 319, abr./jun. 1978.

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Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_0O Casa Real e Imperial    

BR_RJANRIO_1N Confederação do Equador

BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado

BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial

BR_RJANRIO_25 Decretos S/N

BR_RJANRIO_2H SDH - Caixas

BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices

BR_RJANRIO_3D Inspetoria Geral das Terras e Colonização

BR_RJANRIO_EG Junta da Fazenda da Província de São Paulo

BR_RJANRIO_4G Leis e Resoluções Provinciais

BR_RJANRIO_4O Ministério da Fazenda

BR_RJANRIO_OG Ministério da Guerra

BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores

BR_RJANRIO_53 Ministério do Império

BR_RJANRIO_0E Polícia da Corte

BR_RJANRIO_87 Secretaria do Governo da Província de Mato Grosso

BR_RJANRIO_8E Secretaria do Governo da Província de São Paulo

BR_RJANRIO_88 Secretaria do Governo da Província do Ceará

BR_RJANRIO_8F Secretaria do Governo da Província do Rio Grande do Sul

BR_RJANRIO_8T Série Agricultura - Terras Públicas e Colonização (IA6)

BR_RJANRIO_9E Série Fazenda - Gabinete do Ministro (IF1)

BR_RJANRIO_NG Série Fazenda - Tesouraria da Fazenda da Província de Minas Gerais - (IIF2)

BR_RJANRIO_DA Série Guerra - Gabinete do Ministro (IG1)

BR_RJANRIO_A4 Série Interior - Eleições (IJJ5)

BR_RJANRIO_A7 Série Interior - Imprensa Nacional (IJJ12)

BR_RJANRIO_AA Série Interior – Negócios de Províncias e Estados (IJJ9)

BR_RJANRIO_AG Série Justiça - Chancelaria, Comutação de Penas e Graças (IJ3)

BR_RJANRIO_AI Série Justiça - Gabinete do Ministro (IJ1)

BR_RJANRIO_A0 Série Justiça - Prisões - Casas de Correção (IJ7)

BR_RJANRIO_AY Série Marinha - Inspeção do Arsenal de Pernambuco (XII M)

BR_RJANRIO_AZ Série Marinha - Intendência da Bahia (IX M)

BR_RJANRIO_B1 Série Marinha - Intendência e Inspeção da Bahia (XI M)

BR RJANRIO BX Tesouraria da Fazenda da Província da Bahia

BR_RJANRIO_BY Tesouraria da Fazenda da Província de São Paulo

BR_RJANRIO_C1 Tesouraria da Fazenda da Província do Ceará

BR_RJANRIO_BZ Tesouraria da Fazenda da Província do Pará

BR_RJANRIO_R4 Visconde do Bom Conselho

 

Referência da Imagem

Arquivo Nacional, Fundo Ministério da Viação e Obras Públicas, BR_RJ_ANRIO_4Y_0 _MAP_0010

 

 

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