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Caixa de Estabilização

Publicado: Quinta, 17 de Agosto de 2023, 17h05 | Última atualização em Quarta, 13 de Dezembro de 2023, 21h54 | Acessos: 1156

A Caixa de Estabilização foi criada pelo decreto n. 5.108, de 18 de dezembro de 1926, que alterou o sistema monetário brasileiro, estabeleceu uma série de medidas econômicas e financeiras e adotou o padrão ouro e uma nova moeda, o cruzeiro. O novo órgão tinha por atribuição exclusiva receber ouro, em barra ou em moedas, nacionais e estrangeiras, entregando em troca ao portador notas representativas do valor igual ao ouro recebido, conforme o decreto n. 17.618, de 5 de janeiro de 1927, que aprovou seu regulamento.

O Brasil, na segunda metade do século XIX, experimentou um surto industrial voltado à produção de bens de consumo populares, como nas áreas têxtil e de alimentos, impulsionado pela disponibilidade de capitais, antes imobilizados no tráfico de escravizados e provenientes da exportação de café. Nesse período verificou-se um movimento de modernização em todo o país, com melhoria dos portos, instalação e expansão das ferrovias, investimentos em infraestrutura e melhoramentos urbanos, ampliação dos setores bancário e comercial, e gradativa integração do mercado interno (Arias Neto, 2003). Ainda que inicialmente estimulado pelo setor agroexportador cafeeiro, a gradual expansão e transformação da economia brasileira aos poucos seria menos dependente dessa fonte de investimento, reduzindo-se progressivamente após a Primeira Guerra Mundial, com aumento de investimentos decorrentes do processo de desenvolvimento do capitalismo no Brasil (Saes, 1989).

No entanto, ainda que os diferentes setores econômicos obedecessem a dinâmicas próprias, o papel do setor exportador na economia era considerável, tornando-a especialmente suscetível às flutuações da taxa de câmbio. Associa-se a esse quadro o peso das importações de produtos industriais numa estrutura econômica agroexportadora, quando a instabilidade cambial criava sérios problemas “para a administração das finanças públicas, cujas receitas dependiam, basicamente, das tarifas sobre as importações” (Oliveira; Silva, 2001, p. 84). Não por acaso, a estabilidade cambial foi uma das preocupações dos sucessivos governos ao longo da Primeira República, o que, no período, esteve associado ao padrão ouro.

A instituição legal do padrão ouro data de 1819, quando o Parlamento inglês aprovou o resumption act, após o fim das Guerras Napoleônicas. A partir daquela data, outras nações industrializadas passaram a utilizar esse sistema monetário, como Estados Unidos, Alemanha e Japão. Sua adoção se daria de forma gradativa, “mas como base das operações monetárias internacionais, o padrão ouro clássico surgiu após 1870 e resistiu até a Primeira Guerra Mundial (Meneghetti, 2006, p. 12). Para utilização desse sistema monetário, o país deveria fixar sua taxa de câmbio em ouro, sua conversibilidade, e manter reservas de ouro ou divisas conversíveis em ouro compatíveis com sua participação na economia no comércio internacional (Oliveira; Silva, 2001, p. 85). A estabilidade monetária e cambial dos países que aderiram ao padrão ouro, ao final do século XIX, corroborava a estabilidade monetária e cambial oferecida por esse sistema, que “relacionava estoque monetário com meio circulante e preços internos” (Meneghetti, 2006, p. 12).

No entanto, o funcionamento do sistema monetário, via fixidez cambial e equilíbrio das relações comerciais internacionais, era dificilmente alcançado pelas economias agroexportadoras por longos períodos, ao contrário dos países industrializados. As flutuações cambiais que comprometiam a economia de países como o Brasil podem ser compreendidas, em parte, pela “especialização da economia na produção de poucos produtos exportáveis” (Oliveira; Silva, 2001, p. 89). Acrescenta-se a esse quadro de especialização de bens primários suas “características climáticas sazonais e perecíveis”, além da importação de uma grande variedade de produtos dos países industrializados, o que tornava essas “economias vulneráveis a quedas nos preços internacionais das commodities e à consequente deterioração dos termos de troca” (Bezerra; Araújo; Mattos, 2020, p. 72).

Uma primeira tentativa brasileira com o padrão ouro se deu em 1888, com o conselheiro João Alfredo Corrêa de Oliveira, secretário de pasta da Fazenda, mas durou pouco mais de um ano, sendo diversas as razões elencadas para seu abandono. A necessidade de uma reforma monetária – reforçada, entre outras coisas, pela escassez de meio circulante, que afetava duramente o sistema bancário – já se enunciava antes da lei de 24 de novembro de 1888. Conhecida como Lei Bancária de 1888, o ato instituiu uma taxa de câmbio fixa, levando o país a ingressar, por um curto período, no padrão ouro; autorizou a criação de bancos privados de emissão, colocando fim ao monopólio do Tesouro; e previu a contratação de um empréstimo para o financiamento da lavoura (Bezerra; Araújo; Mattos, 2020, p. 73). O quadro de crise política da transição para a República, aliado à pressão de financiamento dos cafeicultores no pós-abolição, que impôs uma alta de liquidez, contribuiu para que as medidas preconizadas pela Lei Bancária não fossem colocadas em prática (Bezerra; Araújo; Mattos, 2020, p. 78). Apesar disso, a lei acabou por ser “precursora de uma série de propostas e emendas que vieram a produzir uma das crises financeiras mais profundas do período republicano – o Encilhamento” (Meneghetti, 2006, p. 30).

No governo de Campos Sales (1898-1902), o ministro da Fazenda, Joaquim Murtinho, implementou uma política econômica visando à conversibilidade da moeda brasileira, com o objetivo de valorizar a taxa de câmbio, que sofrera uma intensa depreciação ao longo da década. Essa política procurava superar o déficit orçamentário, fazendo parte das medidas impostas pelo refinanciamento da dívida externa, o chamado funding loan, contraído em 1898, criando condições para a adoção do padrão ouro (Oliveira; Silva, 2001, p. 94; Meneghetti, 2006, p. 54). Na gestão do presidente Rodrigues Alves (1902-1906), que fora ministro da Fazenda nos períodos 1891-1892 e 1894-1896, foi conduzido um programa de saneamento do sistema bancário, que sofria as consequências da conjuntura da crise financeira da década de 1890, em virtude da política econômica de incentivo à emissão de moedas, conhecida como Encilhamento. Rodrigues Alves manteve a conversibilidade da moeda, ou seja, conteve a emissão de papel-moeda sem lastro metálico e a valorização do câmbio no país. Assim, não apenas as condições favoráveis do mercado internacional, mas também as medidas econômicas adotadas durante os mandatos dos presidentes Campos Sales e Rodrigues Alves criaram as condições necessárias para a adoção do padrão ouro no Brasil, entre 1906 e 1914 (Oliveira; Silva, 2001, p. 99).

Foi no contexto de bom desempenho da economia que, em 1906, no governo de Afonso Pena (1906-1909), o padrão ouro seria adotado e a Caixa de Conversão, criada, cujo objetivo era a emissão de bilhetes conversíveis ao portador, lastreados pelo ouro. A melhoria no desempenho das contas externas e de superávits no balanço de pagamentos foi resultado das exportações da borracha, acompanhada pela entrada de capitais estrangeiros e por investimentos públicos e privados, o que permitiu uma expansão monetária no período 1906-1912. No entanto, as condições favoráveis das exportações não beneficiaram a cafeicultura, prejudicada pela valorização cambial e pela queda dos preços do café, levando à elaboração de um plano de valorização do café com a adoção de medidas que tornassem a moeda conversível e mantivessem o câmbio estável, bem como a criação da Caixa de Conversão (Oliveira; Silva, 2001, p. 110-112).

No período de 1906 a 1914, durante a vigência do padrão ouro e da Caixa de Conversão, houve um crescimento econômico significativo, que seria interrompido pela eclosão da Primeira Guerra Mundial, afetando duramente a economia internacional e, de forma mais rigorosa, os chamados países periféricos. Nessa conjuntura de crise financeira global, o padrão ouro seria abandonado, em virtude da necessidade de emissão para o financiamento da guerra, o que era incompatível com a imposição da conversibilidade das moedas em ouro (Marinho, s.d.). No caso brasileiro, em 1914 foi abandonado o padrão ouro. E, em 1920, pelo decreto n. 14.066, de 19 de fevereiro, a Caixa de Conversão foi incorporada à de Amortização.

Essa retomada do crédito à economia brasileira decorre do retorno do país ao padrão ouro, em um contexto de ascensão dos preços do café e de expansão da liquidez internacional. A adoção do padrão ouro foi colocada em pauta pelo governo de Washington Luiz (1926-1930), que nomeou Getúlio Vargas como ministro da Fazenda. Fizeram parte da plataforma de governo o equilíbrio orçamentário e a estabilidade monetária, e o principal ponto de seu programa era a conversibilidade ao padrão ouro, que seria a base do comércio internacional (Vieira, 1960, p. 1900). Esse retorno, com orientação à valorização cambial e ao controle inflacionário, fez parte da reforma monetária proposta pela equipe econômica de Washington Luís e aprovada pelo Congresso, no final de 1926. A reforma monetária visava à criação de uma nova moeda, o cruzeiro, que seria conversível em ouro. A função da Caixa de Estabilização seria realizar a conversibilidade do meio circulante de forma progressiva, em contrapartida às reservas internacionais nela depositadas, concluída a reforma com a mudança do mil-réis para o cruzeiro (Alvarenga Jr.; Mattos, 2020, p. 641).

Em 1927, pelo decreto n. 17.618, de 5 de janeiro, foi aprovado o regulamento da Caixa de Amortização. Integravam sua estrutura: diretor, tesoureiro, dois fiéis, um contador e quatro ajudantes, um datilógrafo, um porteiro, dois contínuos e dois serventes. Foi prevista pelo regulamento a criação de duas filiais da Caixa de Estabilização em Londres e Nova Iorque, que funcionariam anexas, respectivamente, à Delegacia do Tesouro Nacional e ao consulado brasileiro. No entanto, somente a filial de Londres foi estabelecida, pelo decreto n. 17.906, de 14 de setembro de 1927. Foi ainda determinado, conforme a lei n. 5.108, de 18 de dezembro de 1926, que a Caixa de Estabilização poderia ser anexada ao Banco do Brasil, logo que esse fosse reformado (Brasil, 1927).

Durante a vigência da Caixa de Estabilização, verificou-se a ampliação do crédito doméstico, com a participação decisiva do Banco do Brasil. Tal retomada se deu em um contexto de ascensão dos preços do café e de expansão da liquidez internacional, com a entrada de reservas internacionais na Caixa de Conversão. No entanto, ao final de 1928, a economia brasileira começou a experimentar uma desaceleração econômica, com a retração de crédito doméstico e a entrada de capitais externos. A desaceleração econômica, que teve início em 1928, decorrente da diminuição de crédito e de entrada de capitais externos, seria agravada pela grave crise que se abateria na economia internacional no ano. A crise de 1929 piorou o quadro de desaceleração econômica, a retenção da liquidez internacional levou à contenção de empréstimos externos e, por conseguinte, à diminuição dos saldos comerciais no Brasil, tornando difícil a manutenção da taxa de câmbio estabelecida e das operações em padrão ouro (Alvarenga Jr.; Mattos, 2020, p. 641-649).

A sucessão do presidente Washington Luís deflagrou uma crise política ao romper o pacto oligárquico e apoiar para sua sucessão a chapa Júlio Prestes e Vital Soares, assumindo o candidato derrotado Getúlio Vargas. Frente ao agravamento da conjuntura econômica e ao fracasso da política de conversão da moeda em circulação, o padrão ouro seria abandonado no Brasil e em uma série de outros países. Pelo decreto n. 19.352, de 6 de outubro de 1930, o dia 21 de outubro foi decretado feriado nacional, com o consequente fechamento da Caixa de Estabilização e das instituições bancárias. O feriado foi prorrogado até 30 de novembro pelo decreto n. 19.375, de 20 de outubro, que orienta os bancos em relação às operações bancárias e aos limites permitidos. Por fim, pelo decreto n. 19.423, de 22 de novembro de 1930, foi extinta a Caixa de Estabilização e suas funções, transferidas ao Banco do Brasil, conforme já previsto no decreto n. 5.108, de 18 de dezembro de 1926. O ato mantinha suspensa a troca para emissão e resgate de notas da Caixa, determinando que o ouro existente fosse transferido para a Delegacia do Tesouro Nacional, em Londres, podendo ser utilizado somente para pagamento de prestações da dívida externa, na escassez de letras de exportação.

Dilma Cabral
Ago. 2022

 

Fontes e bibliografia

ALVARENGA JUNIOR, Márcio; MATTOS, Fernando Augusto Mansor de. A reestruturação do sistema creditício doméstico e a recuperação precoce da economia brasileira na década de 1930. Nova Economia, v.31, n.2, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3YjSlyI. Acesso em: 29 ago. 2022.

ARIAS NETO, José Miguel. A Revolta da Armada de 1893: um fato construído. In: JANOTTI, Maria de Lourdes M.; PRADO, Maria Lígia C.; OLIVEIRA, Cecilia Helena de S. (org.). A história na política, a política na história. São Paulo: Alameda, 2006. p. 133-177.

BEZERRA, Lohana Monaco; ARAÚJO, Victor Leonardo de; MATTOS, Fernando Augusto Mansor de. Para além das reformas monetárias: contribuições ao debate sobre a crise do encilhamento. Geosul (UFSC), v. 35, p. 69-97, 2020.

BRASIL. Decreto n. 5.108, de 18 de dezembro de 1926. Altera o sistema monetário e estabelece medidas econômicas e financeiras. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 107-108, 1926.

______. Decreto n. 17.618, de 5 de janeiro de 1927. Dá regulamento para a execução da lei n. 5.108, de dezembro de 1926, criando a Caixa de Amortização. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 3-9, 1927.

______. Decreto n. 17.906, de 14 de setembro de 1927. Cria, em Londres, a filial da Caixa de Estabilização anexa à Delegacia do Tesouro Nacional na mesma cidade. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 400, 1928.

______. Decreto n. 19.423, de 22 de novembro de 1930. Extingue a Caixa de Estabilização. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2. p. 32, 1931.

MARINHO, P. L. O Sistema Monetário Internacional: uma interpretação a partir do conceito de hegemonia mundial. Disponível em: https://bit.ly/3e6mrDt. Acesso em: 29 ago. 2022.

MENEGHETTI, Carla Beni. A precariedade da administração monetária em um país periférico, sob as regras do padrão – ouro: Brasil, 1888 – 1900. Dissertação (Mestrado em Economia) – Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. Disponível em: https://bit.ly/3JLPeuH. Acesso em: 12 ago. 2022.

OLIVEIRA, M. T. R. de; FALCÃO SILVA, M. L. O Brasil no padrão ouro: a Caixa de Conversão de 1906-1914. História Econômica & História de Empresas, v. 4, n. 1, 18 jul. 2012. Disponível em: https://www.hehe.org.br/index.php/rabphe/article/view/88.

SHIKIDA, C.D.; Lemos, C.S.; ARAUJO JR, A.F. 2014. A adesão ao padrão-ouro e seus determinantes cliométricos: o caso do Brasil. Informe Gepec, v. 17, n. 2, p. 70-80, jun. 2014.

OLIVEIRA, M. Teresa Ribeiro de; SILVA, Maria Luiza Falcão. O Brasil no padrão ouro: a Caixa de Conversão de 1906-1914. História Econômica & História de Empresas, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 83-114, 2001.

SILVA, G. Pereira da (2021). A atuação de Rodrigues Alves no Ministério da Fazenda (1891-1892 e 1894-1896). Revista Brasileira de História & Ciências Sociais, v. 13, n. 26, p. 254-281. Disponível em: https://bit.ly/3wCXW7j. Acesso em: 12 ago. 2022.

VIEIRA, F. I. S. O pensamento político-administrativo e a política financeira de Washington Luís. Revista de História, [s.l.], v. 20, n. 41, p. 105-146, 1960. Disponível em: https://bit.ly/3Rf94iw. Acesso em: 17 ago. 2022.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, BR_RJANRIO_Q0_ADM_EOR_CDI_RJR_0024_d0001de0001

   

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