Prédio onde funcionou a Secretaria de Estado dos Negócios do Império e, depois, o Arquivo Nacional, na rua da Guarda Velha, Rio de Janeiro.
Prédio onde funcionou a Secretaria de Estado dos Negócios do Império e, depois, o Arquivo Nacional, na rua da Guarda Velha, Rio de Janeiro.

A Secretaria de Estado dos Negócios do Império foi criada pelo decreto de 13 de novembro de 1823, que dividiu em duas pastas a antiga Secretaria de Estado dos Negócios do Império e dos Estrangeiros, encarregando cada uma delas a um diferente ministro.

A trajetória desta pasta esteve assentada nos rearranjos da administração lusa no Brasil, sendo sua antecessora a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino (1808), transformada em Negócios do Reino e Estrangeiros (1821) e, finalmente, Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros (1822). Com a divisão de 1823, foram mantidas as atribuições estabelecidas para a Secretaria de Estado dos Negócios do Reino pela lei de 23 de agosto de 1821, o que incluía matérias como agricultura, indústria e artes; estradas, canais, minas, comércio e navegação interior; estabelecimentos pios, instrução pública, escolas, colégios, universidades, academias e demais corporações de ciências e belas artes; os chamados ‘melhoramentos do interior’; estatística e economia pública; graças e mercês de títulos de grandeza, ordens, empregos honoríficos, incluindo os da Casa Real; as nomeações de ofícios ou cargos; as resoluções em assuntos de cerimônias e etiqueta; a promulgação das leis, decretos, resoluções e demais ordens, além da comunicação e fiscalização de sua execução (BRASIL, 1889, p. 31-32).

A Independência do Brasil, em 1822, não teve como desdobramento imediato a adequação de sua organização jurídico-institucional às novas exigências político-administrativas. As secretarias de Estado que vigoravam no período remontavam ao modelo administrativo do final do século XVIII. Foi apenas com a Constituição de 1824 que o arcabouço jurídico do Estado brasileiro foi redefinido, assegurando que a organização do Antigo Regime desse lugar a um novo formato, que obedeceu ao princípio da separação dos poderes.

Segundo a Carta Magna, a administração imperial se estruturava nas secretarias de Estado, integrantes do Poder Executivo (BRASIL. Constituição (1824), art. 170). A Constituição não definiu quais secretarias existiriam, prevendo apenas que a legislação designaria quantas seriam e os negócios pertencentes a cada uma. Na verdade, não houve qualquer ato que reorganizasse ou regulasse o funcionamento geral da administração imperial após a outorga da Constituição, fato que só ocorreria após a Carta de 1891, já na República.

No caso da Secretaria do Império, a primeira mudança a ser observada foi decorrente da decisão n. 230, de 7 de outubro de 1825, que ampliou suas atribuições, conferindo-lhe a responsabilidade sobre os colonos alemães depois de sua chegada ao porto brasileiro, encargo que, até então, esteve sob a alçada da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros, que, doravante, se manteria incumbida do imigrante até sua chegada à Corte. A decisão dava conta que o reconhecimento da Independência havia aumentado em muito o expediente dos Negócios Estrangeiros e reforçava o papel da Secretaria do Império como responsável pela administração dos negócios civis e do interior, seguindo o modelo de sua congênere portuguesa.

Somente na década de 1840 foram tomadas medidas de reestruturação das secretarias de Estado. Inicialmente de forma bastante localizada, tais alterações se verificaram a partir do fim do período regencial (1831-1840), quando a maior estabilidade política possibilitou que se ampliasse o controle sobre a burocracia, numa perspectiva que procurava conferir maior especialização às instituições imperiais. Esta ação teve também outra perspectiva, a de normalizar os procedimentos administrativos e organizar quadro de empregados das secretarias, especialmente o número e seus vencimentos. Assim, o decreto n. 60, de 20 de outubro de 1838, autorizou o governo a dar uma nova organização às secretarias de Estado, de forma a ajustá-las às necessidades do serviço público, submetida à aprovação da Assembleia Geral Legislativa. Tal reforma não foi executada, tendo sido restabelecida pela lei n. 243, de 30 de novembro de 1841, que incluiu, ainda, outras instituições a serem reorganizadas.

Uma proposta de alteração da Secretaria do Império foi apresentada em 1834, mas apenas em 1842 o órgão foi reorganizado, através do decreto n. 256, de 30 de novembro. Por esse ato, a secretaria passava a contar com seis seções, cada uma delas dirigida por um primeiro oficial, além do oficial-maior, responsável por todo expediente, cinco segundos oficiais, seis amanuenses, um porteiro, três ajudantes e quatro correios. O decreto divide o serviço da secretaria pelas seções, o que nos permite perceber o esforço em especializar suas atividades, ainda que não fiquem expressas no texto legal as competências de cada unidade. Houve também preocupação em regulamentar temas como ordenado e gratificação de seus empregados, além de questões como nomeação, faltas e disciplina.

Foi o decreto n. 273, de 25 de fevereiro de 1843, que explicitaria a divisão dos serviços da secretaria por suas seções: à Primeira Seção, as funções de corte, graças, administração e Assembleia Legislativa; à Segunda Seção, a instrução pública, obras públicas, saúde pública, polícia civil e estabelecimentos de caridade; à Terceira Seção, a estatística, indústria e comércio; à Quarta Seção, a agricultura, criação, mineração, colonização, e indígenas; à Quinta Seção, contabilidade; e à Sexta Seção, o arquivo. O ato também se voltou para a normalização do expediente da secretaria, as funções dos empregados e as cotas de emolumentos pertencentes a cada um. Em 1844, pelo decreto n. 346, de 30 de março, outra mudança da estrutura da secretaria pode ser observada com a criação de uma nova unidade administrativa, a direção-geral, chefiada pelo oficial-maior. Seguindo a tendência do período, essas duas reformas tiveram um caráter complementar de organização dos serviços, de divisão das funções e de regular sua composição. Assim, o decreto definiu a forma de designação dos empregados, suas atribuições e das unidades administrativas onde estavam lotados, horário de trabalho e as penalidades a que estavam submetidos em caso de falta grave no trabalho.

Em 1854, o decreto n. 781, de 10 de setembro, autorizou o governo a reformar as secretarias de Estado dos Negócios do Império, Justiça e Estrangeiros. Segundo seu texto, era necessário não só a reforma dos regulamentos destes órgãos, mas também marcar os ordenados fixos de seus empregados e alterar a tabela dos emolumentos, que passavam a fazer parte da receita geral. Porém, apenas em 1859 a Secretaria do Império foi objeto de uma reforma e passou a se estruturar em nove seções: 1ª Seção – Central; 2ª Seção – dos Negócios da Casa Imperial, de Mercês e de alguns Negócios da Administração Central; 3ª Seção – dos Negócios da Administração Geral; 4ª Seção – de Instrução Pública e Ciências, Letras e Belas Artes; 5ª Seção – de Saúde Pública dos Estabelecimentos de Beneficência e de Socorros Públicos; 6ª Seção – de Agricultura, Comércio e Indústria; 7ª Seção – das Obras Públicas dos Correios e de Navegação; 8ª Seção – de Contabilidade; e 9ª Seção – do Arquivo. Integrava ainda sua estrutura um consultor, cuja função era emitir parecer sobre os negócios a cargo da pasta do Império quando solicitado.

A reforma de 1859, no entanto, foi revista em 1861, por ocasião da criação da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas pelo decreto n. 2.747, de 16 de fevereiro, cujas atribuições se relacionavam à expansão econômica e à estrutura produtiva do Império. Logo, para criação da nova pasta, a Secretaria do Império perdeu uma grande parte de suas competências relacionadas de forma ampla aos negócios da agricultura, comércio e obras públicas, o que incluiu ainda mineração, catequese e civilização dos índios, terras e colonização, as estradas de ferro, de rodagem, a navegação fluvial e os paquetes, os correios terrestres e marítimos. Mas a Secretaria do Império também recebeu novas atribuições, concernentes aos negócios eclesiásticos, aos cultos não católicos e o montepio dos servidores do Estado, todas vindas da pasta da Justiça, reformada no mesmo ano.

A conjuntura econômica brasileira da década de 1860 foi marcada pelo endividamento e inflação, resultado de uma forte crise comercial e bancária, asseverada pelos gastos extraordinários decorrentes da Guerra do Paraguai (1864-1870). Era necessário fazer face ao déficit orçamentário do governo imperial, o que explica a lei n. 1.507, de 26 de setembro de 1867, que autorizou a reforma de diversos órgãos, dentre eles as secretarias de Estado. A proposta era diminuir a despesa desses órgãos com o pessoal, ainda que fossem mantidos direitos e ordenados.

Assim, no ano seguinte, o decreto n. 4.154, de 13 de abril de 1868, empreendeu uma nova alteração na Secretaria do Império, com a extinção do cargo de consultor e a organização dos serviços em cinco seções. Em relação aos empregados, o decreto ampliou a definição de critérios para nomeações, promoções, demissões, substituições, exercício interino, licenças, aposentadoria, tempo e modo de serviço, e penas disciplinares.

A última mudança da Secretaria do Império antes do advento da República foi através do decreto n. 5.659, de 6 de junho de 1874. A maior inovação introduzida foi a substituição das seções que compunham sua estrutura interna por três diretorias, independentes entre si e subordinadas ao secretário de Estado. A 1ª Diretoria ficava responsável pelos negócios pertencentes ao Conselho de Estado, pelas assembleias provinciais, presidentes de província, eleições, nomeação de senadores, estatística e registro civil, higiene pública e socorros públicos; à 2ª Diretoria pertenciam a instrução, as instituições voltadas para ciências, letras e artes, os cemitérios, hospitais e estabelecimentos de beneficência, o beneplácito imperial, os assuntos eclesiásticos e os cultos não católicos; e à 3ª Diretoria cabiam os assuntos da Casa Imperial, as mercês, naturalização, o orçamento da secretaria, a desapropriação por utilidade pública, o Arquivo Público  e o arquivo da secretaria. Ficava confirmada por este decreto a tendência de uniformizar procedimentos administrativos e, ao mesmo tempo, constituir um corpo de empregados especializados em carreiras específicas.

A análise da trajetória da Secretaria de Estado dos Negócios do Império possibilita perceber o processo de especialização por que passou a administração imperial desde a Independência, deslocando-se paulatinamente para um novo modelo administrativo pautado pelo constitucionalismo. Essa particularização das secretarias de Estado em áreas de governação cada vez mais restritas se fez acompanhar do aumento da estrutura administrativa e da criação de novas instituições, especialmente a partir da segunda metade do século. Com a proclamação da República, a pasta teve sua denominação alterada para  Secretaria de Estado dos Negócios do Interior.

Em 1890, o decreto n. 346, de 19 de abril, determinou a transferência das atribuições relativas à educação para a Secretaria de Estado dos Negócios da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, criada por esse mesmo ato. No ano seguinte, a lei n. 23, de 30 de outubro, extinguiu a Secretaria de Estado dos Negócios do Interior, incorporando suas competências à Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça, que teve sua denominação alterada para Ministério da Justiça e Negócios Interiores.


Dilma Cabral
Jun. 2014


Fontes e bibliografia
ALMEIDA, Pedro Tavares de. A construção do Estado liberal. Elite política e burocracia na Regeneração (1851-1890). 1995. 484 f. Tese (Doutorado). Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. 1995.

ALMEIDA, Joana Estorninho de. A cultura burocrática ministerial repartições, empregados e quotidiano das secretarias de Estado na primeira metade do século XIX. 2008. 466 f. Tese (Doutorado). Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. 2008.

CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial. Teatro de sombra: a política imperial. 5ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.

SÁ NETTO, Rodrigo de. O Império brasileiro e a Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça (1821-1891). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2011. (Publicações históricas; 100) (Cadernos Mapa; n. 2 – Memória da Administração Pública Brasileira). Disponível em: <https://goo.gl/58g7u8>. Acesso em: 12 mai. 2014.


Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_AN Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_0D Brasões
BR_RJANRIO_0O Casa Real e Imperial - Mordomia-Mor
BR_RJANRIO_0Q Chancelaria-Mor
BR_RJANRIO_OH Comissão Encarregada do Desembarque e Remoção para o Interior dos Imigrantes Recém-Chegados
BR_RJANRIO_1N Confederação do Equador
BR_RJANRIO_1R Conselho de Estado
BR_RJANRIO_24 Decreto Legislativos
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_25 Decretos S/N
BR_RJANRIO_2H Diversos - SDH - Caixas
BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices
BR_RJANRIO_2J Título: Eclesiástica
BR_RJANRIO_37 Graças Honoríficas
BR_RJANRIO_3D Inspetoria Geral das Terras e Colonização
BR_RJANRIO_4F Leis
BR_RJANRIO_4O Ministério da Fazenda
BR_RJANRIO_50 Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos
BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores
BR_RJANRIO_53 Ministério do Império
BR_RJANRIO_57 Ministério do Reino
BR_RJANRIO_OK Ministério do Reino e do Império
BR_RJANRIO_69 Ordens Honoríficas
BR_RJANRIO_0E Polícia da Corte
BR_RJANRIO_KE Publicações Oficiais - Acervo Geral e Periódicos
BR_RJANRIO_82 Registro Geral das Mercês
BR_RJANRIO_8M Série Agricultura - Administração (IA2)
BR_RJANRIO_8O Série Agricultura - Gabinete do Ministro (IA1)
BR_RJANRIO_8P Série Agricultura - Índios (IA7)
BR_RJANRIO_8R Série Agricultura - Produção Mineral (IA5)
BR_RJANRIO_8T Série Agricultura - Terras Públicas e Colonização (IA6)
BR_RJANRIO_8V Série Comunicação - Correios (ICC3)
BR_RJANRIO_92 Série Educação - Cultura - Belas-Artes - Bibliotecas - Museus (IE7)
BR_RJANRIO_97 Série Educação - Gabinete do Ministro (IE1)
BR_RJANRIO_9O Série Guerra – Escolas (IG3)
BR_RJANRIO_DA Série Guerra - Gabinete do Ministro (IG1)
BR_RJANRIO_9W Série Indústria e Comércio - Administração (IC2)
BR_RJANRIO_9Y Série Indústria e Comércio - Gabinete do Ministro (IC1)
BR_RJANRIO_A1 Série Interior - Administração (IJJ2)
BR_RJANRIO_A2 Série Interior - Corte - Distrito Federal - Territórios - Comarcas (IJJ10)
BR_RJANRIO_A3 Série Interior - Culto Público (IJJ11)
BR_RJANRIO_A6 Série Interior - Gabinete do Ministro (IJJ1)
BR_RJANRIO_A7 Série Interior - Imprensa Nacional (IJJ12)
BR_RJANRIO_A8 Série Interior - Mordomia - Casa Imperial - Casa Presidencial (IJJ3)
BR_RJANRIO_A9 Série Interior - Nacionalidades (IJJ6)
BR_RJANRIO_AB Série Interior - Negócios Políticos (IJJ4)
BR_RJANRIO_AE Série Interior - Títulos: Títulos de Nobreza - Mercês - Pensões Etc. (IJJ8)
BR_RJANRIO_AL Série Justiça - Ministério Público Federal - Procuradores Etc. (IJ9)
BR_RJANRIO_AM Série Justiça - Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)
BR_RJANRIO_BB Série Saúde - Administração (IS2)
BR_RJANRIO_BC Série Saúde - Cemitérios e Funerais (IS5)
BR_RJANRIO_BD Série Saúde - Clínica Médica - Hospitais - Clínicas Etc. (IS3)
BR_RJANRIO_BF Série Saúde - Higiene e Saúde Pública - Instituto Oswaldo Cruz (IS4)
BR_RJANRIO_DE Série Viação - Administração - (IV2)
BR_RJANRIO_DF Série Viação - Estrada de Ferro - (IV3)
BR_RJANRIO_DD Série Viação - Gabinete do Ministro - (IV1)
BR_RJANRIO_C3 Titulares

 
Referência da imagem
Estereoscopia Rodrigues & Co. Rio de Janeiro, [s.d.]. Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT117