O Observatório Astronômico foi criado por decreto de 15 de outubro de 1827, subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios do Império, dentre as medidas iniciais de institucionalização da educação e das ciências no Brasil independente. Em 11 de agosto desse mesmo ano, o governo já havia implantado os cursos jurídicos de São Paulo e de Olinda, estabelecimentos pioneiros no ensino de direito no Brasil. Cabe ressaltar que, na mesma data em que o observatório foi fundado, foi promulgada a primeira lei educacional do Império, que mandou instalar escolas de primeiras letras em todas as cidades e regulou os métodos de ensino.
Desprovidos de imprensa, distantes dos centros mais avançados da Europa e vítimas de uma política de afastamento do estrangeiro, as condições para o desenvolvimento científico no Brasil até a segunda metade do século XVII foram adversas. O século XVIII assinalou uma época de mudanças estruturais na sociedade europeia, marcadas especialmente pelo advento de uma nova ordem política e econômica e pela lenta derrocada do arcabouço do Antigo Regime. O movimento ilustrado foi o corolário dessas transformações, cuja concepção de mundo baseava-se no poder da razão, do progresso e das ciências. Por outro lado, a chegada da família real ao Brasil constituiria um outro importante marco cultural para a colônia, apontando para uma necessária reestruturação político-institucional que seu papel de exílio da corte portuguesa exigia. Fez parte desse processo o estabelecimento de instituições de diferentes perfis, não só voltadas para as novas práticas culturais, como para aquelas comprometidas com o pragmatismo da educação e da ciência ilustrada.
O primeiro observatório astronômico foi criado na colônia em 1730, instalado pelos jesuítas no Morro do Castelo, na cidade do Rio de Janeiro. Em 1780, no mesmo morro, os astrônomos portugueses Sanches d’Orta e Oliveira Barbosa criaram um observatório onde eram feitos estudos regulares de astronomia, meteorologia e magnetismo terrestre. O acervo desse observatório foi transferido para a Academia Real Militar, criada pela carta de lei de 4 de dezembro de 1810, com o objetivo de formar oficiais de artilharia e engenharia, bem como oficiais engenheiros geógrafos e topógrafos.
O estabelecimento do curso da Academia Real Militar foi resultado das profundas mudanças políticas e administrativas ocorridas no Brasil com a transferência da corte portuguesa, em 1808, quando se instituíram cursos especializados de caráter prático, como a Aula de Comércio (1809) e o Curso de Agricultura da Bahia (1812), e estabelecimentos de ensino superior, destinados à formação de mão-de-obra especializada para suprir a burocracia real. Fruto do ideário ilustrado no campo educacional e do movimento geral de valorização da técnica, iniciado em Portugal com a reforma da Universidade de Coimbra, na academia funcionaria um curso completo das ciências matemáticas, de observação e militares, com a duração de sete anos, divididos entre matemática (quatro anos) e ensino militar (três anos) (SCHWARTZMAN, 2001, p. 13).
O programa de matemática da academia estava estruturado de modo que seus conceitos fossem rigorosamente aplicados. Sendo assim, os alunos estudariam trigonometria esférica, ótica, astronomia e geodésia, matérias fundamentais ao funcionamento do Observatório Astronômico. Além disso, seriam ministradas uma série de disciplinas necessárias à prática da astronomia, revelando os fundamentos da cartografia geográfica, das projeções e sua aplicação aos mapas geográficos e topografias, além dos princípios aplicáveis aos mapas marítimos reduzidos e da geografia global e das suas divisões. Assim, obras de estrangeiros como Laplace, Lacaille, Lacroix e Pinkerton serviriam de base, como um texto a ser compilado para o curso, de modo a cobrir os tópicos mencionados (SCHWARTZMAN, 2001, p. 13-14). Importantes trabalhos científicos foram traduzidos para o uso na academia pelo jornalista e militar Araújo Guimarães, entre as quais a Álgebra, de Euler, naturalista suíço radicado no Brasil. Guimarães foi responsável ainda pelos primeiros livros de astronomia e de geofísica publicados no país (VERGARA, 2004, p. 25; MORAES, 1955, p. 118).
O decreto de 9 de março de 1832 incorporou a Academia Militar da Corte à Academia dos Guardas-Marinhas, que passariam a constituir uma única instituição, denominada Academia Militar e de Marinha. Este decreto determinava que o Observatório Astronômico seria considerado um estabelecimento pertencente à nova academia, cuja atribuição era o ensino das ciências matemática e militares e a formação dos oficiais do Exército, Marinha e Engenharia. O observatório seria administrado por um diretor, professor do 4° ano do curso de matemática; um subdiretor, o substituto mais antigo do mesmo curso; dois ajudantes, os outros dois substitutos do curso matemático; e um porteiro, que atuava também como guarda dos instrumentos astronômicos e físicos e dos móveis. Algumas das atribuições do diretor eram dirigir as obrigações e cálculos astronômicos e distribuir pelo subdiretor e ajudantes os trabalhos da composição das tábuas necessárias à astronomia, geografia e navegação, conforme o Almanaque Náutico, do Conhecimento dos Tempos e das Efemérides, que se imprimiam na Inglaterra, França e Portugal. As tábuas deveriam ser impressas com antecipação de seis meses, de modo que fossem úteis aos navegadores brasileiros.
Devemos notar também que o desenvolvimento do porto do Rio de Janeiro, com a vinda da família real e a emancipação política do país, anos depois, gerou a necessidade de produção de conhecimentos precisos acerca das práticas de navegação, tais como latitudes, longitudes e hora média, de modo a orientar os navegantes com maior segurança a seus destinos. Tais informações seriam produzidas com maior exatidão a partir de um observatório, com um quadro de profissionais qualificados.
O decreto de 1832 previa a formulação de um regimento, que deveria ser aprovado primeiramente pela congregação de lentes para, em seguida, ter a confirmação do governo. Entretanto, esse ato foi efetivado apenas pelo decreto n. 457, de 22 de julho de 1846, que alterou o nome da instituição para Imperial Observatório do Rio de Janeiro, regulou as funções de funcionários, dispôs sobre os exercícios letivos dos estudantes e definiu as competências do órgão de forma detalhada, dentre outras questões. Essas atribuições, grosso modo, seriam a de fazer observações astronômicas e meteorológicas, publicar um anuário do observatório e formar os alunos da Escola Militar e da Academia da Marinha nos assuntos pesquisados na instituição.
A partir da década de 1870, o observatório sofreu grandes transformações. Nesse período foram desenvolvidos diversos trabalhos sobre astronomia planetária e de cometas e os primeiros registros fotográficos das observações (MARTINS; ARANY-PRADO; CAMPOS, 2008, p. 42). Em 1871, o decreto n. 4.664 criou a Comissão de Longitudes que deveria ser formada por astrônomos, oficiais generais do Exército e da Armada e por pessoas de reconhecimento nas áreas de física e matemática, num total de sete membros. A função de tal comissão era deliberar em assuntos administrativos como, por exemplo, a organização de regulamentos e indicação de funcionários para a instituição, além de exercer a função consultiva sobre assuntos de astronomia e geodésia para o governo.
No relatório da Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra para o ano de 1871, podemos observar um maior investimento do governo na instituição, com a liberação de verbas para o então diretor, o francês Emmanuel Liais, comprar instrumentos novos na Europa. O documento também indica que o observatório passava por uma grande reforma e que foi desanexado da Escola Central, tornando-se diretamente subordinado ao ministro da Guerra. Poucos anos depois, o decreto n. 6.624, de 1877, transferiu o órgão para a Secretaria de Estado dos Negócios do Império. O desligamento da Escola Central e a posterior transferência para o Ministério do Império, responsável pela maior parte das instituições educacionais e científicas, pode indicar uma tentativa de fortalecimento do observatório num contexto de maior valorização das ciências no período, fenômeno verificado, sobretudo, após a década de 1860.
Em 1881 foi aprovado um novo regulamento para o Imperial Observatório do Rio de Janeiro, pelo decreto n. 8.152, que mantinha as competências anteriores. Entretanto, no que concerne à formação discente, não havia mais a atribuição de ensinar militares e engenheiros, e a educação passou a ser voltada aos alunos que pudessem depois preencher os lugares de astrônomos do observatório (BRASIL, 1882, p. 686), o que indica uma incipiente tentativa de formação profissional na área de astronomia. Ainda em 1881, a Escola Politécnica, nova denominação da Escola Central desde 1874, iniciou a construção de seu próprio observatório no Morro de Santo Antônio. Quando as instituições foram desmembradas em 1871, as aulas de astronomia da Escola Central ficaram reduzidas ao seu próprio espaço, com instrumentos de pequeno alcance (BRASIL, 1872, p. 43).
O decreto n. 859, de 13 de outubro de 1890, fundou uma Escola de Astronomia e de Engenharia Geográfica no Observatório do Rio de Janeiro, com a finalidade de formar astrônomos e engenheiros, e aprovou o regulamento do curso. Sua criação esteve relacionada a diversas medidas no âmbito educacional, implementadas por Benjamin Constant, que visava a reforma e a ampliação da instrução primária, profissional e a formação de professores. Somente em 1890 foram fundados diversos estabelecimentos educacionais, como a Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, instalada no Ginásio Nacional, antigo Imperial Colégio de Pedro II; a Faculdade de Direito, que funcionava na Escola Normal; uma escola de enfermagem no Hospício de Alienados e o Pedagogium, destinado ao aprimoramento de professores (NISKIER, 2011, p. 206).
O advento da República trouxe ainda outras mudanças na instituição. Sua denominação foi alterada para Observatório do Rio de Janeiro, já que com o novo regime o termo “imperial” foi abolido das instituições. Com a criação da pasta da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, em 19 de abril de 1890, o órgão transferiu-se para sua jurisdição. Logo em seguida, porém, o decreto n. 451 A, de 31 de maio, reorganizou o observatório e criou um serviço geográfico na instituição, transferindo-a para o Ministério da Guerra.
Daniela Hoffbauer
Louise Gabler
7 abr. 2015
Bibliografia
ALVES, Claudia. “Formação militar e produção do conhecimento geográfico no Brasil do Século XIX”. In: Revista Electrónica de Geografia Y Ciências Sociais. Vol. X, n. 218, 1º de agosto de 2006.
AZEVEDO, Fernando (org). “Introdução”. In: As ciências no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, s/d, p. 7-38. Vol. 1.
BRASIL. Decreto de 15 de Outubro de 1827. Cria um observatório astronômico. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, 1878.
____. Decreto n. 8.152, de 25 de junho de 1881. Manda executar o Regulamento para o Imperial Observatório do Rio de Janeiro. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 685, 1882.
____. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na quarta sessão da décima quarta legislatura pelo ministro e secretário de Estado interino dos Negócios da Guerra, Visconde do Rio Branco. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1872.
___. Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na primeira sessão da décima oitava legislatura pelo ministro e secretário de Estado interino dos Negócios do Império, conselheiro de Estado Manoel Pinto de Souza Dantas. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional, 1882.
MARTINS, Silvia; ARANY-PRADO, Lilia; CAMPOS, José Adolfo. O Curso de Astronomia. IN UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO; COORDENADORIA DE COMUNICAÇÃO. Observatório do Valongo: 50 anos do curso de Astronomia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2008.
MORAIS, Abraão de. “A astronomia no Brasil”. In: Fernando de Azevedo (org). As ciências no Brasil. São Paulo: Melhoramentos, s/d, p. 81-161. Vol. 1.
NISKIER, Arnaldo. História da educação brasileira: de José Anchieta aos dias de hoje, 1500-2010. São Paulo: Editora Europa, 2011.
SCHWARTZMAN, Simon. “A ciência no Império”. In: Um espaço para a ciência. Brasília: Ministério de Ciência e Tecnologia, 2001.
VERGARA, Moema de Rezende. “Ciência e modernidade no Brasil: A construção de duas vertentes historiográficas da ciência no século XX.” In: Revista da SBHC, Rio de Janeiro. V. 2, ni, p. 22-31, jan/jun. 2004.
VIDEIRA, Antônio Augusto P. De imperial a nacional: breves comentários sobre a presença da astrofísica no Observatório Astronômico. Rio de Janeiro: Observatório Nacional, 1997. (Ciência e Memória; 10).
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO DB Agricultura
BR AN,RIO 22 Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 23 Decretos do Executivo – Período Republicano
BR AN,RIO 2H Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO NP Diversos – SDH – Códices
BR AN,RIO OI Diversos GIFI – Caixas e Códices
BR AN,RIO 5A Observatório Nacional
BR AN,RIO KE Publicações Oficiais – Acervo Geral e Periódicos
BR AN,RIO 98 Série Educação – Observatório Astronômico (IE8)
BR AN,RIO 9O Série Guerra – Escolas (IG3)
Referência da imagem
Charles Ribeyrolles. Brazil pitoresco: história, descrições, viagens, instituições, colonização. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1859-1861. OR_2055
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1889-1930, consulte Observatório Nacional