O Conselho Penitenciário do Distrito Federal foi criado pelo decreto n. 16.665, de 6 de novembro de 1924, para deliberar sobre as solicitações de livramento condicional de condenados a penas restritivas de liberdade a partir de quatro anos. Para tanto, competia ao órgão verificar a conveniência da concessão do livramento condicional e de indulto; visitar, mensalmente, os estabelecimentos penais da sua zona de jurisdição, observando a boa execução do regime penitenciário legal; examinar a regularidade da execução das condições impostas aos liberados condicionais e aos egressos localizados em colônias de trabalhadores livres ou em serviços externos; e apresentar, anualmente, o relatório dos trabalhos efetuados (Brasil, 1925, p. 392-397).
Além do Conselho Penitenciário localizado no Distrito Federal e subordinado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, o decreto previu a instalação de instituições congêneres nos estados e no Território do Acre. O conselho seria constituído pelo procurador da República, por um representante do Ministério Público local e por cinco pessoas de livre nomeação do presidente da República no Distrito Federal e no Território do Acre, e dos governadores nos estados onde não houvesse penitenciária federal, sendo, de preferência, três professores de direito ou juristas em atividade forense, e dois professores de medicina ou clínicos profissionais. A secretaria e a guarda do arquivo ficariam a cargo do diretor do estabelecimento penal para homens da capital federal ou dos estados (Brasil, 1925, p. 392-397).
As origens do livramento condicional são motivo de controvérsias entre os estudiosos (Santos, 2004; Nucci, 2014). No entanto, sua consolidação se deu a partir da segunda metade do século XIX em países do continente europeu e nos Estados Unidos.
No Brasil, o livramento condicional foi previsto no Código Penal, aprovado pelo decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890. Este código não rompeu com a tradição da chamada escola clássica, ficando distante dos debates e das ideias da escola positiva ou positivista, que foram se disseminando no final do século XIX (Cancelli, 2005, p. 10; Salla, 2006, p. 145). Mesmo assim, foram efetuadas algumas alterações em relação ao Código Criminal do Império, de 1830, das quais se destacam a adoção da pena de prisão celular para a quase totalidade dos crimes e a abolição das penas de morte, galés e açoite (Salla, 2006, p. 148). Outra novidade foi a prescrição do modelo irlandês ou progressivo, que estabelecia diferentes estágios para o cumprimento das penas, do isolamento celular absoluto ao regime aberto, ainda que provisório, instaurado pelo livramento condicional (Salla, 2006, p. 149).
De acordo com o artigo n. 50 do Código Penal, o condenado à prisão celular por tempo superior a seis anos, que houvesse cumprido metade da pena e mostrado ‘bom comportamento’, poderia ser transferido para uma penitenciária agrícola e, posteriormente, obter o livramento condicional, concedido por ato do poder federal ou dos estados, mediante proposta do chefe do estabelecimento penitenciário. Tal concessão poderia ser revogada se o indivíduo liberado descumprisse as condições determinadas ou se envolvesse em algum crime (Brasil, 1890, p. 2.664).
Apesar de previsto em 1890, apenas em 1922 o decreto n. 4.577, de 5 de setembro, autorizou o Poder Executivo a rever e reformar os regulamentos das casas de detenção e de correção, colônias e escolas correcionais ou preventivas, e tornar efetivo o livramento condicional e o regime penitenciário legal.
Dois anos depois, a exposição de motivos que acompanhou o decreto n. 16.665 fez um pequeno histórico do projeto, que foi organizado por uma comissão composta por professores de direito, como Cândido Mendes de Almeida, pelo consultor-geral da República interino, entre outros. Além de enumerar os países onde o livramento condicional era adotado, a exposição reforçou as vantagens dessa prática, “tendo em vista os fins do regime penitenciário moderno, como encara a ciência, para a qual a pena não passa de um remédio para a reforma moral do criminoso” (Brasil, 1924).
Essa justificativa validava alguns preceitos da chamada escola positiva ou positivista, para a qual o exame criminal não recaía mais sobre o crime, mas sobre o indivíduo, que deveria ser analisado por meio de métodos científicos, sendo considerados para a definição de um criminoso elementos anatômicos, psicológicos e sociais (Cancelli, 2005, p. 11; 13).
De acordo com o decreto n. 16.665, a concessão do livramento condicional seria válida para os condenados que tivessem cumprido mais da metade da pena, sendo pelo menos uma quarta parte dela em penitenciária agrícola ou em serviços externos de utilidade pública, e que tivessem demonstrado, durante o tempo da prisão, “bom procedimento indicativo da sua regeneração” (Brasil, 1925, p. 392-397).
Esses requisitos seriam verificados pelo Conselho Penitenciário a partir de um relatório elaborado pelo diretor do estabelecimento penal onde estivesse o condenado. Tal exposição conteria informações sobre as circunstâncias da infração da lei que pudessem concorrer para apreciação da índole do preso; seu caráter, revelado pelos antecedentes e pela prática delituosa; seu relacionamento com companheiros e funcionários na prisão; suas relações afetivas; sua situação econômica, profissional e intelectual; e seus projetos para depois do livramento, especialmente em relação ao seu sustento.
O Conselho Penitenciário poderia, ainda, solicitar o livro com a consolidação de informações sobre os presos, que ficaria a cargo do diretor do estabelecimento penal. Para isso, cada preso deveria ser objeto de um prontuário que contemplasse elementos relativos à sua identidade e precedentes, cópia da nota de culpa, do relatório policial, da guia de sentença condenatória, fotografia e outros documentos, como boletins médico e psíquico “destinados a individualizar o tratamento regenerador do internado e determinar o grau de sua responsabilidade” (Brasil, 1925, p. 392-397).
O decreto n. 16.665 determinou que o livramento condicional somente poderia ser concedido por sentença proferida nos próprios autos do processo-crime pelo juiz ou presidente do tribunal em que o julgamento fora realizado, em primeira ou única instância, ou pelo juiz das execuções criminais. O pedido seria encaminhado por ofício do presidente do Conselho Penitenciário, onde seria instruído processo com cópia da ata de deliberação e do relatório informativo. Depois de juntados aos autos do processo crime o ofício de solicitação com os documentos e o parecer do representante do Ministério Público, o juiz ou o presidente do tribunal proferiria a sentença, cabendo recurso com efeito suspensivo.
O juiz submeteria o indivíduo liberado ao cumprimento de algumas exigências, como a proibição de morar em certos lugares e a abstenção de bebidas alcoólicas. Este era igualmente obrigado a prestar informações, mensalmente, ao diretor prisão, sobre sua residência, ocupação, salário ou outras formas de sustento, ficando sujeito à sua vigilância. Em caso de transgressão das condições ou nova infração penal, o Conselho Penitenciário poderia representar ao juiz, pedindo a revogação do livramento condicional e o retorno do condenado à prisão.
Para auxiliar na ‘regeneração’ do indivíduo liberado e, de certa forma, contribuir para sua inserção no processo produtivo, o decreto previu que o livramento condicional deveria, sempre que possível, importar na sua transferência para uma colônia de trabalhadores livres, onde lhe seria ser concedido um lote de terra, cuja propriedade poderia adquirir mediante condições vantajosas e pagamentos parcelados.
Em seus primeiros anos, o conselho foi presidido por Cândido Mendes de Almeida e contou com a participação dos médicos Raul Leitão da Cunha, Heitor Carrilho e Juliano Moreira, e do professor de direito José Gabriel de Lemos Brito, que foi responsável pela elaboração de um extenso relatório sobre o sistema penitenciário brasileiro nessa época, dentre outros nomes (Brasil, [1924], p. 16.396-16.419).
A partir da década de 1930, no governo de Getúlio Vargas, o conselho passaria por reformulações, tendo suas competências ampliadas, em atuação conjunta com a Inspetoria-Geral Penitenciária, instituída pelo decreto n. 24.797, de 14 de julho de 1934.
Angélica Ricci Camargo
Fev. 2022
Fontes e bibliografia
BRASIL. Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890. Promulga o Código Penal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 10, p. 2.664, 1890.
______. Decreto n. 16.665, de 6 de novembro de 1924. Regula o livramento condicional. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 392-397, 1925.
______. Exposição de motivos [do decreto n. 16.665, de 6 de novembro de 1924]. Disponível em: https://bit.ly/3JvXnQA. Acesso em: 15 fev. 2022.
______. Pareceres aprovados [pelo Conselho Penitenciário]. Ano de 1927. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 27 jul. 1927. Seção 1, p. 16.396-16.419.
CANCELLI, Elizabeth. Repressão e controle prisional no Brasil: prisões comparadas. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 42, p. 141-156, 2005. Disponível em: https://bit.ly/3GVyjRo. Acesso em: 15 fev. 2022.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 10. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. 2. ed. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2006.
SANTOS, Brasilino Pereira dos. O livramento condicional e o Conselho Penitenciário. Revista Jus Navigandi, Teresina, n. 301, 4 maio 2004. Disponível em: https://bit.ly/3BpAmff. Acesso em: 15 fev. 2022.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano
BR_RJANRIO_NP Diversos - SDH - Códices
BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)
Referência da imagem
José Gabriel Lemos Brito. Os sistemas penitenciários do Brasil, v. 2. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1925. Arquivo Nacional, ACG 10060