O Presídio de Fernando de Noronha teve origem na lei n. 52, de 3 de outubro de 1833, que definiu a ilha como local para o cumprimento das sentenças dos condenados por fabricação, introdução e falsificação de notas, cautelas, cédulas e papéis fiduciários. Nesses casos, a lei determinava a aplicação da pena de galés, isto é, trabalhos públicos forçados. Com o decreto n. 2.375, de 5 de março de 1859, os militares condenados a seis anos ou mais de trabalhos públicos ou de fortificações, ou a pena de galés por mais de dois anos, e os degredados passaram a cumprir suas penas no presídio.
No entanto, há notícias sobre a existência de degredados na ilha de Fernando de Noronha desde os séculos XVII e XVIII. O missionário capuchinho Claude d’Abbeville, integrante da expedição francesa que fundou a França Equinocial no Maranhão, esteve no arquipélago por alguns dias. No livro História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão e suas circunvizinhanças, publicado em 1614, o missionário narrou o encontro com alguns desterrados: um português e dezoito índios que viviam na ilha por volta de 1612.
No período da dominação holandesa no Nordeste do Brasil (1630-1654), o arquipélago foi arrendado a Michel de Pavw, passando a se chamar Pavônia. No Diário da rebelião dos portugueses de 1645-1647, há uma referência sobre um navio que partira “do Recife para Fernando de Noronha, levando três mulheres banidas” pelos holandeses (COSTA, 1887, p. 67).
Os franceses invadiram a ilha de Fernando de Noronha, renomeada Île Dauphine, no ano de 1736. Em 1737, foram expulsos pela expedição comandada por João Lobo de Lacerda, enviada pelo então governador de Pernambuco Henrique Luiz Pereira Freire (1737-1746). Nesse mesmo ano, uma carta régia de 26 de maio ordenou que a ilha fosse “fortificada e cultivada” com objetivo de defender aquele ponto estratégico da costa brasileira das investidas estrangeiras (COSTA, 2009, p. 136). O projeto defensivo de Fernando de Noronha foi concebido pelo engenheiro militar Diogo de Silveira Veloso no século XVIII.
Em 1739, Pereira Freire organizou o governo local, passando a ilha a ser conhecida como Presídio de Fernando de Noronha (MELO, 1916, p. 8). O termo presídio, no sentido militar, refere-se à gente de guarnição encarregada da defesa da praça de armas (SILVA, 1813, p. 497). Os presídios militares serviram também como prisão para os condenados a pena de “carrinho”, nome que designava o trabalho aplicado como castigo aos soldados condenados pela justiça militar (SILVA, 1813, p. 353). Portanto, o termo “gente de guarnição” podia se referir também aos “soldados mal disciplinados” (SILVA, 1813, p. 497).
Em 1741 foi inciada a construção das fortificações e, por essa mesma época, chegaram à ilha os primeiros sentenciados militares, desterrados e condenados a galés (COSTA, 2009, p. 136). Com isso, no final do século XVIII, o presídio de Fernando de Noronha já possuía cinco fortificações regulares, com cinquenta e quatro canhões, e a guarnição contava com 213 praças, sendo 190 oficiais, 144 soldados, 20 artilheiros e 30 índios (COSTA, 1887, p. 26).
Após a Independência, o Código Criminal publicado em 1830 puniu com a privação da liberdade – penas de prisão simples e com trabalho – grande número dos crimes, sendo tal punição praticamente inexistente no livro V das Ordenações Filipinas de 1603 (SALLA, 2006, p. 46). Os condenados a pena de prisão simples então definida pela codificação criminal brasileira deviam ficar “reclusos nas prisões públicas pelo tempo marcado nas sentenças” (art. 47). Quando a pena de prisão fosse acrescida do trabalho obrigatório e diário, deveria ser cumprida “dentro do recinto das prisões na conformidade das sentenças e dos regulamentos policiais das mesmas prisões” (art. 46). Além disso, ficava determinado que ambas as penalidades seriam cumpridas “nas prisões públicas que oferecessem maior comodidade e segurança e na maior proximidade que for possível dos lugares dos delitos devendo ser designadas pelos juízes nas sentenças”. (art. 48). No entanto, o Código Criminal de 1830 manteve também as punições mais rigorosas como a de morte, galés e açoites, esta última dirigida exclusivamente ao escravo.
Foi após esse marco legal que a lei n. 52, de 3 de outubro de 1833, autorizou o envio dos réus condenados a pena de galés para a Ilha de Fernando de Noronha. A lei tinha como foco principal a substituição das moedas de cobre em circulação, mas tratava também das punições aplicadas aos que fabricassem moeda e notas falsas. Nos casos de reincidência seria aplicada a pena de galés perpétuas, acrescida do dobro da multa então prevista.
Em 1844, havia na ilha 187 prisioneiros, incluindo quatro mulheres, sendo 75 galés, 28 sentenciados a pena de prisão com trabalho e 84 a de prisão simples (BRASIL, 1845, p. 21). O decreto n. 2.375, de 5 de março de 1859, que tornou oficial a presença desses últimos, determinou que podiam ser remetidos para o presídio os condenados a prisão “quando no lugar, em que se deva executar a sentença, não haja prisão segura, precedendo nestes casos, ordem do Governo.” O Presídio de Fernando de Noronha se constituiu, assim, numa exceção na categoria de presídio militar por ter sido destinado pelo governo a receber os “sentenciados da justiça civil” (BRASIL, 1863, p. 26).
Na década de 1860, a avaliação de diferentes ministros da Guerra era que, na ilha, “grande número de condenados cumprem penas impostas pela justiça militar e civil (…) podendo-se colher proveito do seu trabalho em terreno tão fértil” (BRASIL, 1864, p. 18). Com isso, a Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra tinha por objetivo transformar o presídio numa colônia penal onde “uma fonte de receita nacional substitua a de atual despesa” (BRASIL, 1864, p. 9). Assim, em 1865, o Presídio de Fernando de Noronha ganhou seu primeiro regulamento com o decreto n. 3.403, de 11 de fevereiro. Além disso, os ministros destacavam ainda que o número de sentenciados civis era bastante superior ao de militares e que por isso “melhor será que [o presídio] passe para a repartição da justiça, fornecendo o Ministério da Guerra a força necessária para a guarnição de fortaleza e segurança dos condenados” (BRASIL, 1865, p. 18).
Seguindo essas propostas, em 1877, pela lei n. 2.792, de 20 de outubro, o Presídio de Fernando de Noronha teve sua administração e custeio transferidos do Ministério da Guerra para o da Justiça, mas os militares continuaram no comando da ilha. A Secretaria de Estado da Guerra manteve também o batalhão destacado para manter a ordem e a segurança, bem como as despesas relativas à manutenção dos prisioneiros militares que permaneceriam em Fernando de Noronha (BRASIL, 1882, p. 61).
Em 1879, pelo aviso de 30 de agosto, o dr. Antônio Herculano de Souza Bandeira Filho foi encarregado pelo Ministério da Justiça de visitar a ilha com objetivo de colher as informações necessárias para apresentar uma proposta de reorganização do presídio. No período em que lá esteve, de outubro a novembro daquele ano, examinou a administração, a situação dos presos, as irregularidades relativas ao cumprimento da pena e os meios utilizados para a reforma moral dos condenados (BRASIL, 1880, p. A-I-1). Em 1880, o conselheiro André Augusto de Pádua Fleury, encarregado de elaborar parecer sobre as medidas que poderiam ser adotadas no presídio, com base no relatório de Bandeira Filho, anunciou que a ilha servia de “depósito geral de criminosos de todas as províncias” (BRASIL, 1880, p. A-J-5). No entanto, o primeiro regulamento disciplinar do Ministério da Justiça, o decreto n. 9.356, de 10 de janeiro de 1885, continuou autorizando o envio dos “condenados cuja sentença for comutada para cumprimento da pena no Presídio”. Nesse ano, já se encontravam cumprindo sentenças na ilha 2.364 indivíduos, sendo 1.467 civis e 897 militares (PESSOA, 2014, p. 20).
Coube ao Governo Provisório da República remediar os problemas herdados do período imperial. O decreto n. 854, de 13 de outubro de 1890, criou no arquipélago os cargos de juiz de direito, com jurisdição civil e criminal, de promotor público e de escrivão, considerados necessários devido ao crescimento populacional, mas, principalmente, por funcionar uma instituição prisional na ilha. A criação desses cargos, conforme o decreto, foi resultado de “serem de suma gravidade os abusos e irregularidades há muitos anos denunciados por todas as comissões inspetoras”. A medida tinha por objetivo auxiliar “a notória dificuldade de repressão” que teria originado, na avaliação do governo, as irregularidades acumuladas ao longo das administrações militar e civil.
A partir de 1890, somente os condenados pelo crime de moeda falsa e contrabando podiam ser remetidos para a ilha, os demais necessitavam de prévia autorização do Ministério da Justiça.
Em 1891, conforme decreto n. 1.371, de 14 de fevereiro, o arquipélago saiu da esfera do governo federal e passou a pertencer ao estado de Pernambuco. Em 1894, o decreto n. 226, de 3 de dezembro, proibiu o recebimento de sentenciados em Fernando de Noronha, mas até 1910 funcionou um presídio estadual na ilha.
Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
3 nov. 2014
Bibliografia
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COSTA, Marcos Paulo Pedrosa. Fernando e o mundo – o presídio de Fernando de Noronha no século XIX. In: MAIA, Clarissa Nunes (org.). História das prisões no Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2009, volume 1, p. 135-178.
MALERBA, Jurandir. Os brancos da lei: liberalismo, escravidão e mentalidade patriarcal no Brasil Império do Brasil. Maringá: EDUEM, 1994.
MELO, Mário. O Archipelago de Fernando de Noronha: geographia phisica e política. Revista do Instituto Archeologico e Geographico Pernambucano, Recife, v. 18, n. 91/94, p. 1-44, 1916.
Ordenações Filipinas: livro V. Organização Silvia Hunold Lara. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
PESSOA, Gláucia Tomaz de Aquino. Fernando de Noronha, uma ilha-presídio nos trópicos, 1833-1894. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2014. (Publicações Históricas; 55 (Cadernos Mapa; 10 – Memória da Administração Pública Brasileira). Disponível em: <https://goo.gl/jb3p3K> Acesso em: 1 out. 2014.
SALLA, Fernando. As prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo: Amnablume; Fapesp, 2006. 2ª Edição.
SANTOS, Myrian Sepúlveda dos. Os porões da república: a barbárie nas prisões da Ilha Grande: 1894-1945. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR AN,RIO 0O – Casa Real e Imperial
BR AN,RIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR AN,RIO 2H – Diversos – SDH – Caixas
BR AN,RIO NP – Diversos – SDH – Códices
BR AN,RIO DA – Série Guerra – Gabinete do Ministro (IG1)
BR AN,RIO AF – Série Justiça – Administração (IJ2)
BR AN,RIO ND – Série Justiça – Presídio Fernando de Noronha – (IIJ7)
BR AN,RIO A0 – Série Justiça – Prisões – Casas de Correção (IJ7)
Referência da imagem
South Atlantic Ocean. Londres, Inglaterra: Admirally, 1910. BR_RJANRIO_4Q_0_MAP 0071