A Coletoria da Décima Urbana, criada como Junta de Lançamento da Décima Urbana pelo alvará de 27 de junho de 1808, foi o órgão responsável pela arrecadação do imposto predial. O cálculo do tributo tomava por base o rendimento líquido dos prédios alocados e, no caso dos habitados pelos proprietários, a renda presumida em arbitramento. Já para os imóveis aforados, o imposto seria calculado utilizando-se o foro anual. Estavam isentos da cobrança da décima urbana os prédios que pertencessem às santas casas de misericórdia e também os rendimentos da agricultura. Para formar e dirigir os lançamentos, foram instituídas as Juntas da Décima em todas as cidades e vilas, cujas estruturas administrativas variavam de acordo com a extensão da localidade e suas especificidades (LOBO, 2015).
Na década de 1830, diversas medidas buscaram criar e reformar meios de arrecadação do governo imperial, visando uma maior centralização do recolhimento como forma de sanar as contas públicas (BARCELOS, 2015). Nesse contexto, foi promulgada a lei de 27 de agosto de 1830, que extinguiu as superintendências e juntas do lançamento da décima urbana e criou coletores encarregados desse serviço. O número de coletores seria regulado pelo interesse público e pela extensão dos lugares, e seriam assistidos em suas atividades por escrivães de receita. A nomeação dos coletores e escrivães seria feita pelo Tribunal do Tesouro, na província do Rio de Janeiro, e pelas juntas ou administrações de Fazenda nas demais províncias do Império. Ficavam mantidas a forma de lançamento e cobrança do imposto, que continuariam a ser feitos como estabelecido pela legislação de 1808.
Em 1834, o Ato Adicional descentralizou diversos aspectos da administração provincial, incluindo a arrecadação de impostos como a décima urbana, a meia sisa de escravos ladinos e a décima de heranças e legados, que passaram para o âmbito local (DOLHNIKOFF, 2005, p. 156-157). O ato também separou administrativamente o município do Rio de Janeiro, sede da Corte, do restante da província, o que gerou a necessidade de uma reforma no sistema de arrecadação. A Tesourarias de Província foi transferida para a nova capital do Rio de Janeiro, pelo decreto de 25 de novembro de 1834, que criou também a Recebedoria de Rendas para o município, subordinada diretamente ao Tribunal do Tesouro (BARCELOS, 2015, p. 45). Esse órgão tinha a incumbência de recolher uma série de impostos sobre as atividades realizadas na Corte, regulamentados pela decisão n. 427, de 6 de dezembro do mesmo ano. Esse ato determinou que a Recebedoria seria a responsável pela arrecadação da décima urbana na cidade do Rio de Janeiro.
Em 1836, a decisão n. 54, de 22 de janeiro, transformou as seis coletorias existentes da Corte em uma só, instituindo três lançadores responsáveis, cada um, por uma região da cidade, dividida em centro, norte e sul. O decreto n. 152, de 16 de abril de 1842, baixou um novo regulamento para o lançamento da décima urbana, que tratou de forma detalhada as atividades de coleta e pagamento dos impostos. Em 1845, o decreto n. 409, de 4 de junho, alterou alguns procedimentos instituídos pelo regulamento de 1842, e determinou que a demarcação dos limites da cidade e designação dos lugares notáveis, cujos prédios fossem sujeitos a imposição da décima urbana, deveria ser fixada de quatro em quatro anos por uma comissão composta pelo administrador da Recebedoria, pelo inspetor das obras públicas, ou seu ajudante e por um vereador da Câmara Municipal. Também estipulou que a comissão deveria dividir a arrecadação em cinco seções, sendo elas: 1ª seção, do Centro; 2ª seção, do Norte; 3ª seção, do Sul; 4ª seção, do Leste e a 5ª seção, do Oeste da cidade. Essa divisão foi reafirmada no decreto n. 1.752, de 26 de abril de 1856, que tratou da arrecadação da décima e dos impostos sobre estabelecimentos comerciais. Já o decreto n. 3.422, de 22 de março de 1865, aumentou para seis as seções em que deveria ser feito o lançamento da décima urbana.
O decreto n. 7.051, de 18 de outubro de 1878, regulamentou o imposto predial em todo o Império. O novo tributo foi criado a partir da junção da décima urbana e a da décima adicional, cobrado sobre uma légua além da demarcação. Na Corte o imposto seria cobrado dos prédios da cidade, dos situados no perímetro de seis mil e seiscentos metros além da cidade e nas freguesias de fora da cidade. Nas províncias o tributo era cobrado dos donos de prédios nas cidades, vilas e povoados, e também dos pertencentes a corporações de mão morta, companhias ou sociedades anônimas e a qualquer sociedade pia, beneficente ou religiosa. Na Corte algumas instituições desse tipo eram isentas do pagamento, como os prédios das Santas Casas de Misericórdia, dos hospitais de caridade, dos recolhimentos de órfãos e expostos, os do Recolhimento de Santa Tereza e o do Hospício de Pedro Segundo. No caso das províncias, ficaram dispensadas do imposto as vilas e povoações com menos de cem casas dentro do arruamento. Já os prédios ocupados gratuitamente e os vazios, porém mobiliados, pagariam o imposto.
O regulamento do imposto predial arrolou todos os tipos de propriedades que deveriam pagar ou que seriam isentas, e também tabelou os valores de cobrança baseados em um percentual sobre o valor locativo do imóvel. Cabe ressaltar que nos lugares onde existisse rede de esgotos, esse percentual aumentava. A obrigatoriedade da demarcação de uma zona para cobrança de impostos no município da Corte foi mantida e deveria ser realizada pela comissão já prevista, porém, o trabalho deveria ser executado a cada cinco anos. No caso das províncias, foi estipulado que essa atividade seria realizada pelo chefe da estação fiscal de cada município e por dois vereadores, escolhidos pela respectiva câmara municipal. Feita a demarcação, esta deveria ser publicada pela imprensa ou por editais, afixados nas portas principais das estações arrecadadoras e das câmaras municipais.
O lançamento ficou a cargo das recebedorias, coletorias, mesas de rendas e alfândegas, e a fiscalização do processo de lançamento coube aos administradores das recebedorias. O decreto ainda detalhou os procedimentos de lançamento, cobrança, reclamações, recursos e disposições gerais acerca do imposto, sendo o último grande ato que regulamentou tais normas no Império. Com a proclamação da República, as províncias foram transformadas em estados da federação e a Constituição de 1891 garantiu-lhes a competência de instituir o imposto incidente sobre a propriedade rural e também a urbana, ainda que não tenha impedido a cobrança do imposto predial pelos municípios.
Louise Gabler
19 fev. 2016
Bibliografia
BARCELOS, Fábio Campos. A Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda e o Tesouro Nacional. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2014. Disponível em: <https://goo.gl/UzEpDb>. Acesso em: 8 jun. 2015.
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____. Lei de 27 de agosto de 1830. Extingue as Superintendências e Juntas do lançamento da décima urbana e cria coletores a quem encarrega esse serviço. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 235, 1843.Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37973-27-agosto-1830-565623-publicacaooriginal-89379-pl.html>. Acesso em: 19 fev. 2016.
____, Decreto n. 152, de 16 de abril de 1842. Dando Regulamento para a arrecadação da Décima Urbana. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 2, p. 235, 1843.Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-152-16-abril-1842-560933-publicacaooriginal-84208-pe.html>. Acesso em: 19 fev. 2016.
____. Decreto n. 409, de 4 de junho de 1845. Alterando e aditando o regulamento n. 152 de 16 de abril de 1842, para a arrecadação da Décima Urbana. Coleção das leis do Império do Brasil, tomo 8, parte 2, p. 23, 1846. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-409-4-junho-1845-560490-publicacaooriginal-83372-pe.html>. Acesso em: 19 fev. 2016
____. Decreto n. 1.752, de 26 de Abril de 1856. Altera e adita os regulamentos n.º 152 de 16 de abril de 1842, e n. 361 de 15 de junho de 1844. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-1752-26-abril-1856-571215-publicacaooriginal-94304-pe.html>. Acesso em: 19 fev. 2016.
____. Decreto n. 7.051, de 18 de outubro de 1878. Dá regulamento para arrecadação do imposto predial. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-7051-18-outubro-1878-548063-publicacaooriginal-63018-pe.html> Acesso em: 19 fev. 2016.
DOHLNIKOFF, Miriam. O pacto imperial: origens do federalismo no Brasil do século XIX. São Paulo: Globo, 2005.
LOBO, Rodrigo. Junta de Lançamento da Décima Urbana. In: Dicionário da Administração Pública Brasileira do Período Colonial (1500-1822). Rio de Janeiro: Arquivo nacional, 2011. Disponível em: <http://linux.an.gov.br/mapa/?p=2748>. Acesso: 1 jul. 2015.
PREFEITURA DO RIO DE JANEIRO. IPTU 200 anos. Rio de Janeiro: 2008. Disponível em: <http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/137802/DLFE-3896.pdf/iptu200anos.pdf>. Acesso em: 8 set. 2015.
Documentos sobre o órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional:
BR RJANRIO 0K – Casa da Moeda do Brasil
BR RJANRIO 0M – Casa dos Contos
BR RJANRIO 22 – Decretos do Executivo – Período Imperial
BR RJANRIO 9I – Série Fazenda – Tesouraria da Fazenda – Alfândegas – Etc. (IF3)
Referência da imagem
BR_RJANRIO_SI. Recibo de pagamento da décima urbana referente ao exercício de 1859-1860. Rocha Sobrinho e Companhia: doc. 02
Este verbete refere-se apenas à trajetória do órgão no período imperial. Para informações entre 1808 e 1822, consulte Junta de Lançamento da Décima Urbana