Estabelecido pelo decreto de 28 de julho de 1809, o cargo de provedor-mor da Saúde da corte e Estado do Brasil foi ocupado, primeiramente, pelo médico português Manoel Vieira da Silva Borges e Abreu, conselheiro e fidalgo da Casa Real, que já possuía o lugar de físico-mor do Reino e domínios. Por esse decreto, o lugar de provedor-mor foi desanexado da inspeção das câmaras municipais, ficando unicamente sob sua jurisdição e de seus delegados a conservação da saúde pública no Brasil.
Em Portugal, a segunda metade do século XVI foi marcada pelos primeiros esforços de organização sanitária, incluindo a nomeação do primeiro provedor-mor da Saúde, em 27 de setembro de 1526. Suas atribuições eram distintas das do físico-mor e do cirurgião-mor, cabendo-lhe as questões sanitárias relacionadas à prevenção e ao combate das epidemias, e à salubridade da cidade, entre elas a fiscalização dos portos, o abastecimento de alimentos, a vigilância da cidade e as quarentenas. O provedor-mor teve suas competências confirmadas e ampliadas pelo alvará de 29 de janeiro de 1580, sendo sua jurisdição estendida aos domínios ultramarinos pelo decreto de 4 de agosto de 1688 e, em 15 de dezembro de 1707, pelo “Regimento do provedor-mor de Saúde”.
Instituído com poderes judiciais pelo regimento de 22 de janeiro de 1810, o provedor-mor da Saúde no Brasil tinha por atribuição regular as quarentenas que deviam fazer os navios provenientes de portos estrangeiros, em especial aqueles dedicados ao tráfico negreiro, e determinar as averiguações a serem feitas sobre os mantimentos e gêneros alimentícios, o que incluía exames e vistorias nos matadouros e açougues públicos, tanto na corte como nas demais capitanias. A jurisdição do provedor-mor era exercida ex officio pelo ouvidor-geral da comarca; nas vilas onde não houvesse, pelo juiz de fora; e, na falta deste, pelo juiz ordinário. Nos processos e diligências estabelecidos pelos guardas-mores competia recurso ao governador da respectiva capitania, e deste, apenas à Mesa do Desembargo do Paço, incumbida da solução destas matérias em última instância, informando primeiro, com seu parecer, ao provedor-mor do Estado do Brasil.
Para prevenção das enfermidades contagiosas que poderiam ser introduzidas através dos portos, deveria constituir-se um lazareto para quarentena, quando houvesse suspeita ou certeza de infecção. Tal estabelecimento deveria ser criado no ancoradouro da Boa Viagem, onde as embarcações aguardariam a inspeção dos oficiais de saúde, segundo as disposições do regimento da saúde do porto de Belém, de 7 de fevereiro de 1695. As embarcações saídas de portos em que houvesse notícia ou suspeita de peste não podiam fundear em qualquer capitania, devendo fazer quarentena no lazareto.
No caso dos navios que trouxessem escravos, após a inspeção no ancoradouro do Poço ou da Boa Viagem, a quarentena deveria ser feita no ancoradouro da ilha de Jesus. O tempo que as embarcações ficavam em observação era determinado pelos oficiais do provedor-mor, sendo no mínimo de oito dias no caso dos navios negreiros. Em seguida, as embarcações estavam aptas a receber os bilhetes de saúde para exposição e comércio dos escravos no Valongo. Nas demais capitanias, os governadores, aconselhados pelo ouvidor da comarca e o guarda-mor, deveriam providenciar o lugar e as acomodações necessárias para servir de lazareto para os escravos.
O provedor-mor e seus delegados também se incumbiam do exame e vistoria de alimentos ou bebidas destinados à venda ou em qualquer estabelecimento em que se encontrassem, como Alfândegas , armazéns e trapiches, da Coroa ou de particulares. Essa atribuição incluía o poder de mandar fazer inspeção nos matadouros e açougues públicos, podendo determinar os consertos, mudanças e obras necessárias para o bem da saúde pública, assim como designar pastagens para o descanso das boiadas até que fossem conduzidas para o abate e venda na cidade. Segundo o regimento, estas recomendações deveriam ser igualmente observadas nas capitanias da Bahia, Maranhão, Pará e Pernambuco.
O alvará de 14 de setembro de 1810 isentou da inspeção de saúde pelos oficiais do provedor-mor os navios de guerra das nações estrangeiras aliadas que entrassem nos portos brasileiros. Em 1815, pelo alvará de 24 de julho, revogou-se o parágrafo 26 do regimento de 26 de janeiro de 1810, que conferia a magistrados locais das capitanias as competências do provedor-mor. Com isso, ficavam centralizadas nos guardas-mores todas as atribuições sanitárias definidas no regimento, fazendo deles os únicos delegados do provedor-mor de Saúde da corte e Estado do Brasil.
Após a independência, o cargo de provedor-mor ficou subordinado à Secretaria de Estado dos Negócios do Império e Estrangeiros e, após 1823, quando a pasta foi dividida em duas, manteve-se sob a jurisdição da Secretaria dos Negócios Estrangeiros. Em 1828, a lei de 30 de agosto extinguiu os cargos de provedor-mor da saúde, de físico-mor e de cirurgião-mor, e passou para as câmaras municipais a responsabilidade pela inspeção da saúde pública e dos comestíveis destinados ao consumo público. Já as causas que se processavam no juízo privativo do provedor-mor da saúde, do físico-mor e do cirurgião-mor passaram para a justiça ordinária.
Dilma Cabral
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
ABREU, E. A Fisicatura-Mor e o cirurgião-mor dos Exércitos no Reino de Portugal e Estados do Brasil. Revista do IHGB, v. 63, n. 101, p. 154-306, 1900.
BASTOS, Mário Jorge da Motta. O poder nos tempos da peste (Portugal – Séculos XIV/XVI). Rio de Janeiro: Eduff, 2009.
SANTOS FILHO, Lycurgo dos. História da medicina no Brasil: do século XVI ao século XIX. São Paulo: Brasiliense, 1947.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_ BF Série Saúde - Higiene e Saúde Pública - Instituto Oswaldo Cruz (IS4)
Referência da imagem
Júlio Bandeira; Robert Wagner. Viagem ao Brasil nas aquarelas de Thomas Ender: 1817-1818. Petrópolis: Kappa Editorial. Arquivo Nacional, ACG01828