Também chamada de Tribunal da Junta da Bula da Cruzada, foi instalada no Brasil pelo decreto de 29 de junho de 1808, com a nomeação do comissário-geral frei José de Morais, esmoler-mor do rei.
Criado em Portugal em 1591, o tribunal tinha como competência, segundo o regimento de 10 de maio de 1634, tomar conhecimento de todas as causas e negócios relacionados à expedição da bula, à cobrança do rendimento dela, às dívidas, contratos, quase-contratos e convenças feitas por sua causa.
A bula da cruzada concedia indulgências aos fiéis mediante compra e existia desde o período da reconquista cristã. Sua aquisição implicava a dispensa de certos rituais católicos, como jejuns e abstinências. Durante o período da expansão marítima, os papas continuaram a concedê-la, com o objetivo de financiar a luta contra os chamados “infiéis” na África e a construção da basílica de São Pedro em Roma. Do montante arrecadado, a Coroa portuguesa enviava uma parte aos pontífices e apropriava-se do restante. A Junta da Bula da Cruzada, dessa forma, integrava o sistema de arrecadação do Reino português.
Em Portugal, o tribunal era composto pelo comissário-geral, escolhido pelo papa, e três deputados, além de secretário, tesoureiro-geral, provedor, contador, escrivão da receita e despesa, promotor fiscal, porteiro e solicitador, providos pelo comissário. Nas possessões ultramarinas, existiam comissários subdelegados, que cuidavam da arrecadação das esmolas da bula e tinham alguns privilégios, como a desobrigação de participar de expedições militares.
As bulas da cruzada eram publicadas anualmente no Reino e apresentadas em uma procissão solene na qual se divulgavam as indulgências e graças que lucravam aqueles que as obtinham. As concessões papais para que os monarcas portugueses pudessem distribuir as bulas eram renovadas a cada seis anos. Nos domínios ultramarinos, exigia-se igual solenidade, sendo escolhidos pelo tesoureiro-mor os melhores pregadores, capazes de persuadir o maior número de pessoas possível.
A Junta da Bula da Cruzada cobrava e administrava os rendimentos da bula e, além disso, mantinha uma jurisdição paralela à da Mesa da Consciência e Ordens, no que respeitava à arrecadação das esmolas para o resgate dos prisioneiros de guerra. Atuando como um tribunal especial de jurisdição eclesiástica no interior da administração portuguesa, sua existência explicava-se pela integração da Igreja ao sistema de poder vigente no período. As imbricações entre as esferas espiritual e temporal, que eram manifestadas, principalmente, pelo chamado padroado régio, implicava, entre outros desdobramentos que o direito de cobrança e administração dos dízimos eclesiásticos fosse exercido pelo próprio Estado.
O processo de secularização do poder conduzido pelo ministro Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde marquês de Pombal, no reinado de d. José I (1750-1777), enfraqueceu o domínio eclesiástico. Contudo, não foi suficiente para desmontar a estrutura disciplinar da Igreja, como atesta a sobrevivência da Junta da Bula da Cruzada e do Tribunal do Santo Ofício, extinto em 1821, mas não transplantado com a transferência da corte.
No Brasil, não houve qualquer disposição legislativa sobre a competência do órgão, mas a decisão n. 1, de 16 de janeiro de 1810, estabeleceu que sua jurisdição não abrangeria Portugal, Algarves e as ilhas de Açores e Madeira, que continuariam na esfera do tribunal de Lisboa. Uma das poucas determinações sobre a Junta da Bula da Cruzada no Brasil foi a decisão n. 90, de 1823, que reforçou a validade das graças, prorrogadas por seis anos, lembrando que os rendimentos seriam destinados à “civilização e cristianização” dos indígenas.
Segundo o Almanaque do Rio de Janeiro para o ano de 1811, além do comissário-geral, compunham o tribunal deputados, secretário, porteiro, tesoureiro-geral, escrivão, fiel da tesouraria, provedor da contadoria, contador, escrivão, oficial do registro, executor, escrivão da executória, escrivão da Conservatória dos Privilegiados da Bula, procurador, oficial-maior, oficial do registro e contínuo.
Em 20 de setembro de 1828, a Junta da Bula da Cruzada foi extinta e seus processos, findos e pendentes, remetidos ao Juízo dos Feitos da Fazenda.
Angélica Ricci Camargo
Ago. 2011
Fontes e bibliografia
ALMANAQUE do Rio de Janeiro para o ano de 1811. Revista do IHGB, Rio de Janeiro, v. 282, p. 230, jan./mar. 1969.
DIREÇÃO GERAL DE ARQUIVOS (Portugal). Fundos e coleções. Disponível em: http://dgarq.gov.pt. Acesso em: 18 fev. 2008.
FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982.
HESPANHA, António Manuel. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.
SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
SUBTIL, José. Governo e administração. In: MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. v. 4: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa: Círculo de Leitores, 1993. p. 180-181.
ZANON, Dalila. A ação dos bispos e a Orientação Tridentina em São Paulo (1745-1796). 1999. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1999. Disponível em: https://goo.gl/XhbGmr. Acesso em: 18 fev. 2008.
Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_C5 Tribunal da Junta da Bula da Cruzada
BR_RJANRIO_59 Negócios de Portugal
BR_RJANRIO_0M Casa dos Contos
BR_RJANRIO_22 Decretos do Executivo - Período Imperial
BR_RJANRIO_2H Diversos - SDH - Caixas
Referência da imagem
Johann Moritz Rugendas. Voyage pittoresque dans le Brésil. Paris: Engelmann & Cie., 1835. Arquivo Nacional, OR_2119_DIV3_PL10