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Inspetoria de Pesca

Publicado: Quinta, 26 de Agosto de 2021, 10h17 | Última atualização em Sexta, 10 de Junho de 2022, 17h24 | Acessos: 1840
Vista de praia na cidade de Santos, estado de São Paulo, na década de 1910
Vista de praia na cidade de Santos, estado de São Paulo, na década de 1910

A Inspetoria de Pesca foi criada pelo decreto n. 9.672, de 17 de julho de 1912, com a finalidade de estudar e divulgar os recursos naturais das águas brasileiras, desenvolvê-los e regular a sua utilização (Brasil, 1916a, p. 113-128). Assim como ocorreu com a agricultura e a pecuária, a instalação de um órgão específico voltado para a pesca, subordinado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, trazia a proposta de fomentar esse ramo de atividade econômica e regular o setor, bem como promover estudos e pesquisas científicas e disseminar conhecimentos, a fim de aprimorar a mão de obra encarregada de tais serviços.

As primeiras ações governamentais relacionadas à atividade pesqueira remontam ao período colonial, quando a pesca da baleia se constituiu como um monopólio real, entregue a particulares mediante contratos. Mas foi durante o Império que se delinearam medidas de incentivo e controle dessa área. O decreto n. 447, de 19 de maio de 1846, que deu regulamento às capitanias dos portos instituídas na esfera da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha no ano anterior, determinou que esses órgãos fossem responsáveis pela matrícula e fiscalização dos pescadores (Goularti Filho, 2016, p. 2; Brasil, 1847, p. 5). Em 1856, o decreto legislativo n. 876, de 10 de setembro, autorizou o governo a promover a incorporação de companhias para pesca, salga e seca de peixe no litoral e rios, concedendo uma série de favores às três primeiras empresas que fossem constituídas. Dentre esses, constavam a garantia de juros de até cinco por cento, no prazo máximo de cinco anos, dos capitais empregados na aquisição de embarcações e aprestos de pescaria e no estabelecimento de feitorias e abrigo de pessoal e material; concessão de marinhas e terrenos públicos nas ilhas e costas de terra firme para a fundação de feitorias; e isenção, por até vinte anos, dos direitos de importação de materiais para os serviços, dos direitos de exportação e dos de consumo interno do peixe salgado ou seco, e de recrutamento de empregados e aprendizes pela Guarda Nacional, Marinha ou Exército. O mesmo o decreto proibiu as companhias de utilizar escravizados nos barcos de pesca, e limitou o emprego de estrangeiros como pescadores ou marinheiros. Previu-se, ainda, que os “abusos” dos favores poderiam ser punidos com multa ou prisão por até seis meses (Brasil, 1857, p. 39).

O ato de 1856 foi regulamentado pelo decreto n. 8.338, de 17 de dezembro de 1881, que dividiu o litoral da costa em três distritos e condicionou a concessão de favores à submissão da tabela de preços do peixe para aprovação do governo; à não admissão de escravizados nos serviços e à limitação da presença de estrangeiros à quinta parte da tripulação; e ao recebimento e contratação de órfãos pobres, remetidos pelos juízes de órfãos, durante seu primeiro ano de funcionamento. A inobservância ou transgressão dessas cláusulas seria penalizada com multa ou cassação de todos os benefícios e a restituição dos valores recebidos a título de garantia de juro, ficando hipotecados ao Estado o material e as propriedades. O mesmo ato estabeleceu várias medidas destinadas a proteger os recursos aquáticos, proibindo a colocação de cercas e outros aparelhos para impedir a passagem dos peixes, o lançamento de drogas ou substâncias venenosas nas águas, a pesca fora de época e o emprego de processos que pudessem prejudicar o repovoamento dos rios. Além disso, foi definido o tamanho da abertura das malhas das redes empregadas na pescaria, e estipuladas as penalidades para aqueles que não cumprissem as determinações governamentais (Brasil, 1882, p. 1.239).

Essas ações de favorecimento da pesca não tiveram o resultado esperado, pois foram formadas poucas companhias até o final do Império. Outro problema enfrentado foi a continuidade da utilização de dinamites e de produtos químicos (Goularti Filho, 2016, p. 4-6).

Após a Proclamação da República, a necessidade de uma regulamentação da pesca foi novamente colocada em pauta. Em 1897, o decreto n. 478, de 9 de dezembro, que tratou da organização da Força Naval, dispôs que o governo expediria o regulamento para inscrição marítima e para a pesca, que seria nacionalizada (Brasil 1898, p. 29). No âmbito do Ministério da Marinha foi nomeada, em 1903, uma comissão para elaborar um projeto sobre o tema, que foi encaminhado ao Congresso Nacional. Além da importância econômica da pesca, havia a preocupação com a proteção do território brasileiro, daí a necessidade de sua nacionalização (Goularti Filho, 2016, p. 8-9).

Mas foi após a instalação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, a partir do desmembramento do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas, que o assunto ganhou maior atenção, sob a justificativa de que “a indústria da pesca não poderia prescindir do concurso dos poderes públicos para o seu desenvolvimento e funcionamento regular e produtivo” (Brasil, 1911, p. 204). Naquele momento, o país era um grande consumidor de peixes e frutos do mar importados, situação que revelava a pouca exploração da pesca nacional do ponto de vista econômico (Vital; Barreto, 2018, p. 322-323).

Assim, foi instituída uma estrutura administrativa específica, a Inspetoria da Pesca, que compreendia uma ampla gama de atribuições. O decreto n. 9.672, de 1912, que criou o órgão, estabeleceu sua sede no Distrito Federal e previu a divisão do território brasileiro em zonas, onde seriam instituídas estações. A inspetoria seria composta por um laboratório de aquicultura formado por gabinetes de zoologia para o estudo de vertebrados e de invertebrados aquícolas, de botânica para o estudo de plantas aquícolas, de física, de química e de fotografia, microfotografia e desenho; um museu; e um escritório para o expediente de contabilidade e registro de instrumentos, barcos de pesca, cooperativas, mutualismos, seguros, estatísticas, colônias e escolas de pesca, que contava, também, com uma biblioteca (Brasil, 1916a, p. 113-128).

De acordo com esse ato, a inspetoria organizaria duas publicações, um anuário ilustrado, que poderia ter edições em inglês e francês, e um almanaque com informações sobre o movimento industrial da pesca, entre outras.

Além da produção de estudos, a inspetoria também seria responsável pela difusão de conhecimentos de pesca. Em cada estação que fosse instalada haveria um curso preparatório de pesca gratuito, com duração de dois anos, com aulas de português, aritmética, noções de história e geografia, botânica, zoologia, prática de salga e conserva, natação, entre outras matérias. Para a inscrição, os candidatos teriam que apresentar um requerimento, acompanhado de um “atestado de moralidade” expedido por autoridade policial, judicial ou municipal ou por três pessoas idôneas do lugar; saber ler, escrever e contar; e ter de 12 a 25 anos de idade. Haveria, ainda, um curso complementar, que seria dado a bordo dos navios da Inspetoria de Pesca, com duração de um ano, no qual seriam ministradas disciplinas como noções de mecânica, física, química, náutica e construção naval, higiene e medicina prática (Brasil, 1916a, p. 113-128).

Outras funções do órgão previstas no seu ato de criação eram a promoção da organização de cooperativas entre os pescadores e a realização de sua matrícula, antes desempenhadas pelo Ministério da Marinha.

O decreto n. 9.672 também dispôs sobre a subvenção de pescadores, empresas, companhias ou associações que mantivessem a bordo dos seus navios cursos complementares de pesca e definiu uma série de favores, tais como a concessão de terrenos de marinha e públicos para a fundação de estabelecimentos de pesca; direito de desapropriação, por utilidade pública, dos terrenos necessários à edificação de estaleiros, parques e depósitos de salga e frigoríficos; redução, pelo prazo de até cinco anos, dos direitos de importação a oito por cento do valor para a compra de embarcações, aparelhos, combustível e outros itens destinados à indústria da pesca; licença, isenta de qualquer contribuição federal, para instalações de viveiros em quaisquer pontos da costa ou das lagoas; e a permissão para que os cargos de mestre, contramestre, capitão e metade da equipe dos barcos fossem ocupados por estrangeiros. Para receberem esses benefícios, os interessados deveriam submeter as tabelas de preços à aprovação do governo; contribuir, anualmente, com um por cento do lucro líquido do comércio, para o auxílio de asilos de órfãos de pescadores a serem fundados pela inspetoria; fornecer as estatísticas do movimento comercial; e admitir, preferencialmente, o pessoal habilitado pelas escolas de pesca oficiais ou subvencionadas (Brasil, 1916a, p. 113-128).

Como o decreto de 1881, esse ato fixou diversas restrições para a proteção dos recursos marinhos ou fluviais, proibindo o uso do arrastão, a pesca com dinamite ou substâncias venenosas, a pesca de qualquer espécie no período da sua procriação e a pesca de alevinos, e dispôs sobre o tipo de rede de pesca a ser utilizado, incumbindo a inspetoria e suas estações da fiscalização dessas determinações, realizada pelos guardas de pesca e fiscais nomeados pelo governo junto aos concessionários. Para o exercício da pesca nas águas de jurisdição dos estados e municípios, a União promoveria um acordo com os respectivos governos.

Ainda em 1912, o decreto n. 9.802, de 9 de outubro, dividiu o território do país em três zonas, onde seriam estabelecidas as estações, a primeira com sede em São Luís, no Maranhão, a segunda, no Distrito Federal, e a terceira, na cidade de Rio Grande, no Rio Grande do Sul (Brasil, 1916b, p. 49).

Para dirigir os trabalhos da inspetoria foi nomeado Alípio Miranda Ribeiro, da Seção de Zoologia do Museu Nacional. Em seu curto período de atividade, o órgão inaugurou duas estações, a do Distrito Federal e a do Rio Grande, onde foram instaladas escolas, realizou pesquisas, organizou estatísticas e estudos, elaborou um projeto de lei prevendo as punições para infrações ao seu regulamento e realizou alguns trabalhos de fiscalização no Rio de Janeiro, que contribuíram para coibir o uso de dinamite e de redes de pequena malhagem. O órgão também adquiriu um navio para pesquisa e ensino prático, que recebeu o nome de José Bonifácio, em homenagem ao naturalista José Bonifácio de Andrada e Silva (Brasil, 1912, p. 177; 1913, p. 180; 1914, p. 107-108).

O valor gasto com a aquisição desse navio, considerado exagerado, foi objeto de críticas de alguns políticos e da imprensa carioca, sobretudo dos jornais que faziam oposição ao presidente Hermes da Fonseca, que acabaram por envolver o órgão em diversas controvérsias políticas (Vital; Barreto, 2018, p. 326).

No início de 1914, em meio às polêmicas, a lei n. 2.842, de 3 de janeiro, que fixou a despesa geral da República, efetuou cortes orçamentários, levando à supressão de diversas estruturas do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e reduzindo para dois o número de gabinetes da inspetoria: um de zoologia de vertebrados e invertebrados e outro de química. Essa mesma lei determinou que o produto excedente das pescarias feitas pelo órgão em suas pesquisas seria vendido em hasta pública, e os valores, aplicados no custeio do navio e dependências do órgão ou recolhidos ao Tesouro Nacional em caso de não utilização (Brasil, 1916c, p. 1-161).

Nesse ano, foi inaugurado o museu, com material coletado e catalogado na primeira viagem de pesquisa do navio José Bonifácio, que seria importante para o desenvolvimento de investigações nos anos posteriores, e outros itens doados pelo Instituto Oswaldo Cruz, entre eles uma coleção de peixes do rio Amazonas do próprio Oswaldo Cruz (Vital; Barreto, 2018, p. 327; 330).

Em 1915, no contexto da crise provocada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918), a lei n. 2.924, de 5 de janeiro, transferiu o navio para o Ministério da Marinha e deixou de consignar verba para os serviços do órgão, o que resultou, na prática, em sua extinção (Brasil, 1915a, p. 29-35; 1915a, p. 172; 1915b, p. 1.247). Nesse ano, o decreto n. 11.507, de 4 de março, criou a Estação de Biologia Marinha, encarregada de realizar pesquisas e estudos sobre o meio marinho, assumindo parte das atribuições da extinta inspetoria. Em 1920, o decreto n. 14.086, de 3 de março, transferiu os serviços relacionados à pesca ao Ministério da Marinha. Mais tarde, em 1923, o decreto n. 16.183, de 25 de outubro, estabeleceu, nesta pasta, a Diretoria de Pesca e Saneamento do Litoral, que ficou responsável por pesquisas, estudos, fiscalização e fomento da indústria pesqueira. 

Angélica Ricci Camargo
Maio 2020

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 447, de 19 de maio de 1846. Manda pôr em execução o regulamento para as capitanias dos portos. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, tomo 9, parte 2, p. 5, 1847.

______. Decreto n. 876, de 10 de setembro de 1856. Autoriza o governo a promover a incorporação de companhias para pesca, salga e seca de peixe no litoral e rios do Império. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 39, 1857.

______. Decreto n. 8.338, de 17 de dezembro de 1881. Manda observar o regulamento para execução da lei n. 876, de 10 de setembro de 1856. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1.239, 1882.

______. Decreto n. 478, de 9 de dezembro de 1897. Dispõe sobre o preenchimento dos cargos existentes na Força Naval e dá outras providências. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 29, 1898.

______. Decreto n. 9.672, de 17 de julho de 1912. Cria a Inspetoria de Pesca e aprova o respectivo regulamento. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 113-128, 1916a.

______. Decreto n. 9.802, de 9 de outubro de 1912. Fixa o número de zonas de pesca, com as respectivas estações, e estabelece os seus limites. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 49, 1916b.

______. Lei n. 2.842, de 3 de janeiro de 1914. Fixa a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1914. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, parte 1, p. 1-161, 1916c.

______. Lei n. 2.924, de 5 de janeiro de 1915. Fixa a despesa geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1915. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 29-35, 1915a.

______. Decreto n. 16.183, de 25 de outubro de 1923. Aprova e manda executar o Regulamento da Diretoria da Pesca e Saneamento do Litoral, anexada e subordinada à Inspetoria de Portos e Costas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, parte 1, p. 59-64, 1924.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Pedro de Toledo em 1911. Rio de Janeiro: Oficinas da Diretoria-Geral de Estatística, 1911. Disponível em:  https://bit.ly/3fDauS6. Acesso em: 7 maio 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Pedro de Toledo em 1912. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912. Disponível em: https://bit.ly/3beczjZ. Acesso em: 7 maio 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Pedro de Toledo em 1913. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913. Disponível em: https://bit.ly/2L8vaDp. Acesso em: 7 maio 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria, Comércio dr. Manoel Edwiges de Queiroz Vieira em 1914. Rio de Janeiro: Tipografia do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, 1914. Disponível em: https://bit.ly/2WdX9YF. Acesso em: 7 maio 2020.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria, Comércio dr. José Rufino Bezerra Cavalcanti em 1915. Rio de Janeiro: Tipografia da Diretoria-Geral de Estatística, 1915b. Disponível em: https://bit.ly/2ze6bMd. Acesso em: 7 maio 2020.

______. [Expediente da Diretoria-Geral da Indústria e Comércio, de 23 de janeiro de 1915]. Diário Oficial da República dos Estados Unidos do Brasil. Poder Executivo, Rio de Janeiro, 29 jan. 1915c, p. 1.247.

GOULARTI FILHO, Alcides. Regulação e institucionalização das atividades pesqueiras no Brasil. Estudios Históricos, Rivera-Uruguai, n. 16, 2016. Disponível em: https://bit.ly/2La5rdG. Acesso em: 7 maio 2020.

VITAL, André Vasques; BARRETO, Cristiane Gomes. Navegando pelos mares da controvérsia política: a Inspetoria da Pesca e os primeiros estudos sobre o plâncton no Brasil (1913-1915). Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba-PR, v. 49, p. 318-335, 2018. Disponível em: https://bit.ly/2WDs3bJ. Acesso em: 7 maio 2020.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados no seguinte fundo do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Coleção de Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0241_d0003de0007

 

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