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Gabinete Médico-Legal

Publicado: Quinta, 11 de Abril de 2019, 12h11 | Última atualização em Segunda, 09 de Mai de 2022, 14h44 | Acessos: 4818

O Gabinete Médico-Legal, também denominado Serviço Médico-Legal ou Instituto Médico-Legal do Distrito Federal, foi criado pelo decreto n. 3.640, de 14 de abril de 1900, como um serviço da Secretaria de Polícia. Conforme esse decreto, o serviço médico-legal compreendia a realização dos exames de autópsias de cadáveres e de corpo de delito nos hospitais, cemitérios e domicílios, as exumações e as análises toxicológicas. Realizava ainda exames de indivíduos suspeitos de sofrer das faculdades mentais quando estivessem abandonados ou sendo incriminados. Ficou instituído também um serviço de verificação de óbitos que consistia na realização de exames dos indivíduos falecidos sem assistência médica, excetuando os casos de morte por moléstias infectocontagiosas. Todo o serviço médico-legal ficou a cargo dos seis médicos legistas que eram os auxiliares das autoridades policiais (Brasil, 1902, art. 6º, 9º, 48, 49 e 50).

A criação do gabinete se insere num processo mais amplo de organização da polícia do Distrito Federal, que se inicia na passagem do século XIX para o XX, com objetivo de torná-la uma instituição profissional, conforme o ideário positivista de cunho cientificista inspirado pela filosofia de Augusto Comte. Tal perspectiva vigente à época acreditava que o emprego de métodos científicos seria um grande aliado da polícia na elucidação dos crimes. Para tanto, a montagem do aparato policial do Distrito Federal devia se pautar pela formação sistemática de seus agentes.

Na década de 1830, a medicina vinha se configurando como uma ciência moderna visando à normatização da vida social como um todo, tendo por base um discurso técnico-científico à disposição, direta ou indiretamente, do Estado. Nesse contexto, a medicina legal se tornou um tema a ser considerado pela medicina social, cujos médicos passaram a defender a introdução de procedimentos ligados à perícia médico-legal para auxiliar as decisões jurídicas (Machado et al., 1978, p. 194-5).

A cooperação entre a medicina e o Judiciário tinha por fundamento a convicção de que a punição do réu devia considerar uma verificação médica prévia que estabelecesse de forma incontestável a materialidade do ato, comprovando ou não a veracidade dos testemunhos e das provas apresentadas nos processos criminais. A partir dessa perspectiva, o julgamento médico se constituiria numa peça documental isenta de quaisquer privilégios, o que garantiria a liberdade e a segurança individual próprias das sociedades civilizadas (Machado et al., 1978, p. 194-5).

Seguindo uma filosofia jurídica liberal, o texto do primeiro código criminal do país, sancionado pela lei de 16 de dezembro de 1830, introduziu a avaliação médica como um recurso a ser acionado em casos de violência. O código de 1830 tornou, portanto, obrigatório que os juízes de Direito ouvissem os peritos antes de proferirem as sentenças criminais. A perícia médica profissional foi instituída oficialmente mais tarde pelo Código de Processo Criminal de 1832, que estabeleceu as normas relativas aos exames de corpo de delito (Aldé, 2003, p. 17; Brasil, 1832, artigos 134, 135, 136 e 137). Ainda em 1832, a medicina legal passou a ser ministrada nos cursos de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro, propiciando, assim, a formação de profissionais aptos para atender às demandas da Justiça.

Foi somente na década de 1850 que a medicina legal foi oficialmente instituída como uma assessoria médica junto à Secretaria de Polícia da Corte, sendo incumbida de realizar exame de corpos de delito, bem como quaisquer outros que fossem necessários à averiguação dos crimes e fatos suspeitos. Conforme o decreto n. 1.746, de 16 de abril de 1856, a assessoria foi composta por dois médicos legistas efetivos, ligados à Polícia, e dois médicos denominados “consultantes”, professores de medicina legal da faculdade, aos quais competia a realização dos exames toxicológicos (Brasil, 1856, art. 1º, 2º, 8º e 44).

No início da década de 1890, a medicina legal se tornou uma disciplina obrigatória nos cursos de direito do país por decisão aprovada pela Câmara dos Deputados, conforme proposta apresentada por Rui Barbosa. A inclusão dessa disciplina representou de fato um marco no que se refere à importância do ensino da perícia e da interpretação dos documentos forenses nos cursos jurídicos. A partir do decreto n. 3.640, de 14 de abril de 1900, a Assessoria Médica, criada pelo decreto n. 1.746, de 1856, foi transformada em Gabinete Médico-Legal.

No entanto, poucos anos depois, o médico legista Afrânio Peixoto (1876-1947) criticou severamente a forma pela qual os termos de autópsias e os autos de corpo de delito vinham sendo realizados pelo gabinete, chegando mesmo a afirmar que nessas condições os exames periciais atestavam não só a deficiente especialização dos profissionais da área, como prejudicavam os interesses da Justiça. Inspirado pela vertente alemã da medicina legal, Peixoto apresentou uma proposta para reformular os procedimentos periciais que foram detalhados pelo decreto n. 4.864, de 15 de junho de 1903. Este regulamento reorientava os serviços médico-legais no Distrito Federal, uma vez que as perícias até então praticadas pecavam por omissões e infrações de preceitos essenciais constantes da ciência médico-legal. Considerada uma legislação bastante progressista para a época, se comparada, por exemplo, às práticas então em voga em países como a Itália e a França, o decreto de 1903, no entanto, não entrou em vigor.

Conforme a historiografia, as mudanças significativas só ocorreriam no final da década de 1900, fruto das pressões dos profissionais ligados ao ensino da medicina legal que redundou no decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907. O gabinete, transformado em Serviço Médico-Legal, passou a abranger uma série de exames ou pesquisas necessárias para demonstração ou comprovação judicial da existência do crime, ou do fato considerado criminoso, cabendo-lhe, portanto, realizar os exames de corpos de delito, as autópsias, as exumações, as análises toxicológicas e os exames de sanidade em indivíduos abandonados suspeitos de sofrer das faculdades mentais ou incriminados. A direção do serviço ficou a cargo do dr. Afrânio Peixoto (Aldé, 2003, p. 18; Brasil, 1941, art. 75).

Na primeira metade do século XX, a medicina e a saúde pública brasileira sofreram grandes transformações, favorecidas pelo ideário cientificista e higienista europeu. A medicina legal foi igualmente beneficiada pelos avanços dessas áreas de saúde, vivendo uma época prodigiosa. O Serviço Médico-Legal se tornou uma repartição técnica autônoma subordinada ao ministro da Justiça e Negócios Interiores, desvinculada, portanto, do âmbito do chefe de Polícia. Algumas importantes alterações ocorreram nesse período com o regulamento aprovado pelo decreto n. 16.670, de 17 de novembro de 1924. Passando a se chamar Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro, destinou-se à prática das perícias médicas judiciais do Tribunal e da Polícia nos processos civis ou criminais do Distrito Federal. Foram criados novos laboratórios de toxicologia, anatomia patológica e microscopia, novos gabinetes, sendo prevista ainda a criação de um museu de medicina legal. Além dos médicos, integravam o corpo de peritos do instituto professores das especialidades da Faculdade de Medicina e de medicina pública da Faculdade de Direito, ambas do Rio de Janeiro, e também os alienistas da Assistência a Alienados e o diretor do Manicômio Judiciário (Aldé, 2003, p. 19; Brasil, 1925, p. 400-401).

No entanto, em 1928, a partir do decreto n. 5.515, de 13 de agosto o instituto voltou a ficar subordinado ao chefe de Polícia.

Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Out. 2019

 

Fontes e bibliografia

ALDÉ, Lorenzo. Ossos do ofício. Processo de trabalho e saúde sob a ótica dos funcionários do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. 2003. 162 p. Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Ministério da Saúde, Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: <https://bit.ly/2HORlPv>. Acesso em: 11 maio 2018.

BRASIL. Lei de 29 de novembro de 1832. Promulga o Código do Processo Criminal de Primeira Instância com disposição provisória à cerca da Administração da Justiça Civil. Coleção das leis do Império do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 186, 1832.

______. Decreto n 1.746, de 16 de abril de 1856. Dá regulamento para a Secretaria de Polícia da Corte. Disponível em: https://goo.gl/vNCEFh. Acesso em: 27 abr. 2018.

______. Decreto n. 3.640, de 14 de abril de 1900. Reorganiza o Serviço Policial do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 439-457, 1902.

______. Decreto n. 4.764, de 5 de fevereiro de 1903. Dá novo regulamento à Secretaria da Polícia do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 95-118, 1907.

______. Decreto n. 4.864, de 15 de junho de 1903. Manda observar o regulamento para o serviço médico-legal do Distrito Federal. Disponível em: https://bit.ly/2RbaccF. Acesso em: 27 abr. 2018.

______. Decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907. Dá novo regulamento ao Serviço Policial do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 523-669, 1941.

______. Decreto n. 15.848, de 20 de novembro de 1922. Modifica algumas disposições dos regulamentos da Polícia Civil do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 519-520, 1923.

______. Decreto n. 16.670, de 17 de novembro de 1924. Aprova o Regulamento do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 400-415, 1925.

______. Decreto Legislativo n. 5.515, de 13 de agosto de 1928. Restabelece, no Distrito Federal, o inquérito policial. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 141-146, 1929.

BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.

MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: a medicina social e constituição da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1978.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores

 

Referência da imagem

Fotografia de Artur da Silva Bernardes, presidente da República e ministros de Estado, 1922. Augusto Cesar da Malta Campos. Fotografias Avulsas. BR_RJANRIO_O2_0_FOT_0295_001

 

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