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Gabinete de Identificação e Estatística

Publicado: Quarta, 19 de Dezembro de 2018, 11h28 | Última atualização em Quinta, 04 de Março de 2021, 10h26 | Acessos: 7245

O Gabinete de Identificação e Estatística, também denominado Gabinete de Identificação e Estatística Criminal do Distrito Federal ou Instituto de Identificação e Estatística Criminal, foi criado pelo decreto n. 4.763, de 5 de fevereiro de 1903. O gabinete foi instituído como uma seção de natureza judiciária e policial destinada a representar no sistema de repressão da capital da República o papel de união entre as delegacias e as promotorias. Competia-lhe registrar o movimento criminal das delegacias tanto para fins estatísticos, inerentes a sua função de cadastro, como para orientar as promotorias, fornecendo-lhes informações seguras acerca dos reincidentes e dos "recalcitrantes" habituados a infringir a lei penal.

Cabia-lhe ainda a identificação obrigatória de todas as pessoas detidas de qualquer idade, sexo ou condição social, excetuando-se os presos administrativamente, os que tivessem sido detidos por motivos que não fossem propriamente criminais como, por exemplo, por detenção pessoal, as mulheres presas por infração contra a moral pública, os inculpados dos crimes políticos, duelos sem lesões corporais, crimes particulares (violência carnal, rapto, adultério, parto suposto, calúnia e injúria) entre outros (Brasil, 1907b, artigos 52 e 60, inciso I).

Além dos serviços de estatística de caráter policial, criminal e de informações judiciárias, ficou também a cargo do gabinete, após a realização do exame de autópsia, a verificação da identidade dos cadáveres desconhecidos e, sempre que se fizesse necessário, seria encarregado, ainda, de fotografar o local onde tivesse ocorrido o crime ou delito (Brasil, 1907b, artigos, 54, 55 e 60).

A criação do Gabinete de Identificação e Estatística se insere num processo mais amplo de organização da polícia do Distrito Federal que se iniciou na passagem do século XIX para o XX, com objetivo de torná-la uma instituição profissional, conforme o ideário positivista de cunho cientificista vigente à época. Para tanto, a montagem do aparato policial da capital do país devia se pautar pela formação sistemática dos agentes indispensáveis para a proteção dos direitos individuais e a manutenção da ordem pública. Além da estruturação de uma polícia profissional, foi prevista também a adoção de métodos científicos que auxiliassem na resolução dos crimes (Brasil, 1902, art. 1º; Bretas, 1997, p. 36-8).

Na década de 1880, a reincidência e os criminosos denominados 'habituais' se tornaram, principalmente em países como a França e a Itália, tema das discussões científicas nos congressos de antropologia criminal realizados no continente europeu. Conforme a avaliação dos agentes responsáveis pelo combate ao crime, não bastava criar leis contra os reincidentes, pois antes de deportá-los para as colônias ultramarinas francesas, por exemplo, fazia-se necessário conhecer sua identidade (García Ferrari; Galeano, 2016, p. 172).

Ficou, portanto, a cargo da polícia de cada país recensear a população criminosa e constituir as chamadas 'fichas de identificação' ou ‘técnicas’ contendo informações sobre os já condenados pela Justiça. As fichas continham dados relativos a nome, filiação, idade, altura, cor da pele, cicatrizes e 'marcas particulares', sendo consideradas à época indicações bastante restritas. Outra limitação provinha do aumento exponencial das fichas, que, acrescida à classificação por ordem alfabética, dificultava ainda mais a busca, especialmente nos casos em que proliferavam os nomes falsos. Mais tarde, os arquivos criminais das polícias incorporaram a essa classificação os "retratos fotográficos" que se revelaram de fato um avanço se comparado ao método de identificação por meio das fichas, que continuaram em uso a despeito de suas limitações (García Ferrari; Galeano, 2016, p. 172-9).

Nesse contexto, Alphonse Bertillon (1853-1914) inventou um modo de identificação que logo seria considerado mais eficaz do que os métodos praticados até aquela data. Esse novo procedimento se apoiava em duas proposições, a estabilidade da ossatura dos adultos, com mais de vinte anos, e a variedade das medidas obtidas individualmente. Esse tipo de classificação denominado 'sistema antropométrico' ou 'antropologia judiciária' realizava uma série de medições corporais entre aqueles que se encontravam detidos: estatura, envergadura, altura do busto, comprimento do pé etc. A observação morfológica e fisionômica, as marcas particulares e a fotografia métrica (de frente e de perfil) complementavam o método de Bertillon, denominado bertillonage.

A identificação dos indivíduos visando a comprovação da reincidência conforme o método antropométrico ganhou fama internacional a partir do 2º Congresso de Antropologia Criminal realizado em Paris em 1889. Desde 1880, o bertillonage já havia sido adotado pela polícia parisiense, mas sua difusão por vários países só ocorreu quando o primeiro Gabinete de Identificação Antropométrica foi criado fora da França, em Buenos Aires (1889), e depois nas principais cidades do Brasil, seguido por outros países da América Central e do Sul (García Ferrari; Galeano, 2016, p. 172-3).

Antes da criação do Gabinete de Identificação e Estatística, houve a tentativa de se estabelecer na cidade do Rio de Janeiro um gabinete antropométrico. Essa repartição foi instituída em 1894 e funcionou nas instalações do serviço médico-legal, adotando o bertillonage como método de identificação. Dirigido pelo médico da polícia Thomaz Coelho, o gabinete teve vida curta, tendo apresentado, inclusive, resultados muito aquém do esperado. Em 1899, o chefe de polícia reinstalou o gabinete que encerraria suas atividades um ano mais tarde, apesar da quantidade significativa de fichas de identificação produzidas no período. O fracasso do bertillonage foi relacionado à resistência que o método encontrou aqui por parte de juristas e políticos republicanos que o consideraram uma prática humilhante (García Ferrari; Galeano, 2016, p. 186-7).

Na primeira década do século XX, surgiram as condições ideais para a criação de um gabinete de identificação no Rio de Janeiro, que, desde o final do XIX, vinha sofrendo grandes transformações. Se, por um lado, o novo regime político republicano inaugurou um período de intensa agitação na capital da República, por outro, a abolição da escravidão mudou sua configuração. Conforme a historiografia, as alterações foram de natureza quantitativa, sendo a primeira delas de ordem demográfica, depois étnica e ocupacional. Após a abolição, parte da mão-de-obra escrava se dirigiu ao mercado de trabalho livre, estimulando uma emigração em massa da região cafeeira para a capital. Esse movimento emigratório, somado à imigração estrangeira de predominância portuguesa, resultou num crescimento populacional significativo. Assim esse contingente considerável vivia na maior cidade do país à época em condições precárias, sofrendo com o custo de vida, os surtos epidêmicos, a escassez de habitações, sem ocupações fixas, desempregadas ou subempregadas (Carvalho, 1987, p. 15-19). 

O crescimento demográfico possui uma relação estrita como o aumento da criminalidade e, portanto, era preciso conhecer e identificar esses indivíduos que chegaram a ser equiparados às "classes perigosas" da primeira metade do século XIX (Carvalho, 1987, p. 18). Numa cidade como a do Rio de Janeiro, que apresentava um fluxo migratório intenso, o anonimato passou a ser uma preocupação constante das autoridades policiais.

O Gabinete de Identificação e Estatística foi então constituído aqui como um departamento administrativo autônomo, mas subordinado à Secretaria de Polícia da capital federal até 1907. Foi dividido em três seções: de informações e de estatística, de identificação e fotográfica. Foi instalado em 1905 numa grande ala do edifício da Casa de Correção, dispondo, dentre outras dependências, de dois amplos salões, um ateliê e laboratórios fotográficos e uma câmara escura. O diretor da Casa de Correção ficou responsável por apresentar diariamente ao gabinete, no mínimo, cinco condenados detidos no estabelecimento, dando início, assim, à “identificação dos delinquentes” por meio da combinação de vários métodos que já vinham sendo praticados em outros países pioneiros nessa área (Brasil, 1906, p. 13; Brasil, 1907b, art. 57). 

As medições tais como as notas cromáticas, observações antropométricas e a fotografia métrica seriam feitas conforme o método de Bertillon. No exame descritivo (retrato falado) e no registro de sinais particulares, tais como cicatrizes e tatuagens, foi utilizado o sistema de filiação denominado “Província de Buenos Aires”, de Juan Vucetich, método que havia abandonado a maioria das medições corporais do bertillonage. As impressões digitais ou classificação datiloscópica eram realizadas também segundo o sistema instituído por Vucetich. Este último, também denominado vucetichismo, ganhou preferência em relação aos demais métodos então utilizados. Félix Pacheco, fundador e primeiro diretor do Gabinete de Identificação e Estatística, foi o precursor do sistema de identificação datiloscópica no país (Brasil, 1907b, artigos 53, 57, 61 e 64).

Com o novo regulamento para o Serviço Policial do Distrito Federal, baixado pelo decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907, foi acrescentado o caráter civil ao policial e judiciário já constantes do gabinete. A repartição continuaria autônoma, mas subordinada ao chefe de Polícia, passando a funcionar na Repartição Central sempre que fosse conveniente. Assim, suas atribuições se ampliaram, dentre as quais se destacavam o fornecimento de provas de identidade às “pessoas honestas” e documentos de bons antecedentes, e a organização do registro civil. Permanecia sob sua responsabilidade efetuar a identificação obrigatória de todas as pessoas detidas de qualquer idade, sexo ou condição social, sem exceção de crimes e contravenções. Tendo por base essa identificação, organizar o registro criminal e fornecer à Polícia, ao Ministério Público e à Justiça as informações devidas, e o grau de periculosidade dos delinquentes sujeitos a processo. Competia-lhe, ainda, auxiliar o Serviço Médico Legal quanto à identificação de cadáveres desconhecidos, aos exames de impressões invisíveis e a fotografia dos locais dos crimes. Organizar de forma detalhada e publicar com regularidade, de acordo com os formulários aprovados pelo chefe de Polícia, os mapas estatísticos dos crimes e contravenções cometidos no Distrito Federal, bem como os quadros de suicídios, acidentes, movimento relativo à entrada e saída das prisões e de passageiros entre outros. 

Quanto à área de identificação propriamente dita do gabinete, seu regulamento ratificou o método datiloscópico de Juan Vucetich, que subordinaria todos os demais dados de identificação adotados, tais como a “filiação morfológica”, o exame descritivo, as marcas e sinais particulares (cicatrizes e sinais), a fotografia métrica (de frente e perfil) entre outros (Brasil, 1941, artigos 126 e 127).

Aspecto importante a ser destacado relativamente à institucionalização dos gabinetes antropométricos criados com objetivo de identificar a população detida pela Justiça é o elevado grau de internacionalização e cooperação entre os países que esse serviço apresenta. Ao chefe do gabinete da capital da República incumbia, por exemplo, manter contato com os gabinetes similares dos demais países, em especial, conforme o primeiro regulamento indicava, com os do Rio da Prata, Espanha, Portugal e Itália. Esse contato visava disponibilizar informações úteis por meio da permuta das fichas antropométricas e datiloscópicas a fim de serem utilizadas pela polícia denominada “preventiva” (Brasil, 1907b, art. 67, inciso VI).

Nessa mesma perspectiva, foi previsto o estabelecimento de uma rede de informações permanente entre os serviços policiais estaduais sobre os criminosos reincidentes e os “recalcitrantes habituados a infringirem a lei penal”. Na qualidade de uma repartição também de caráter civil, essa rede de informações abrangeria os dados a respeito das pessoas ‘honestas’ e dos viajantes, que pretendessem melhores garantias por parte da administração policial. Essa rede de informações seria formada a partir dos cursos regulares de ensino dos métodos de identificação então praticados no país e por meio da divulgação do método de identificação datiloscópico considerado um procedimento simples e perfeito (Brasil, 1941, artigos 122 e 123).

A assinatura de convênios entre os países foi outro recurso utilizado para efetivar essa forma de cooperação em nível internacional destacando-se especialmente aquele assinado entre as polícias de La Plata e Buenos Aires (Argentina), do Rio de Janeiro (Brasil), de Santiago do Chile e de Montevidéu (República Oriental do Uruguai) durante a Conferência Internacional de Polícia, realizada em Buenos Aires, de 11 a 20 de outubro de 1905 (Brasil, 1906, p. 13).

A instituição de uma rede de cooperação policial entre os países signatários do referido convênio permitiu a vigilância mais estrita das cidades vizinhas localizadas entre o Rio da Prata e o Brasil que haviam se tornado ao longo das três primeiras décadas do século XX uma espécie de refúgio para os criminosos e infratores migrantes (García Ferrari; Galeano, 2016, p. 175-6).

Cabe ressaltar que no regulamento do agora Gabinete de Identificação e Estatística da Polícia do Distrito Federal, baixado pelo decreto n. 14.078, de 25 de fevereiro de 1920, foi prevista a publicação de um Boletim Policial, com distribuição gratuita, para divulgação dos conhecimentos úteis à instituição (Brasil, 1921, art. 2º). 

Em 1922, a partir do decreto n. 15.848, de 20 de novembro, o Gabinete de Identificação e Estatística da Polícia Civil do Distrito Federal continuou a ser uma repartição autônoma, de caráter civil, policial e judiciário, mas independente da Polícia Civil, ficando subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores até 1928 (Brasil, 1923, art. 1º).

Na data de 1º de outubro de 1941, ocorreu a comemoração do cinquentenário da adoção do sistema datiloscópico de Juan Vucetich. A partir de então o Gabinete de Identificação passou a denominar-se Instituto Félix Pacheco em homenagem aos esforços do seu primeiro diretor no sentindo de implantar tal sistema de identificação no país.

 

Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Set. 2018

 

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 4.763, de 5 de fevereiro de 1903. Dá regulamento ao Serviço Policial do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 78-95, 1907a.

______. Decreto n. 4.764, de 5 de fevereiro de 1903. Dá novo regulamento à Secretaria da Polícia do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 95-118, 1907b.

______. Relatório dos anos de 1905 e 1906 apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1906, v. 1. Relatório do Chefe de Polícia do Distrito Federal, Anexo E. Disponível em: https://goo.gl/biH5kK. Acesso em: 22 ago. 2013. 

______. Decreto n. 6.440, de 30 de março de 1907. Dá novo regulamento ao Serviço Policial do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 523-669, 1941.

______. Decreto Legislativo n. 3.949, de 24 de dezembro de 1919. Autoriza a revisão do regulamento do Gabinete de Identificação e Estatística. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 311, 1920. 

______. Decreto n. 14.078, de 25 de fevereiro de 1920. Dá novo regulamento ao Gabinete de Identificação e Estatística da Polícia do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 629-644, 1921.

______. Decreto n. 15.848, de 20 de novembro de 1922. Modifica algumas disposições dos regulamentos da Polícia Civil do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 4, p. 519-520, 1923.

______. Decreto n. 16.039, de 14 de maio de 1923. Aprova o regulamento para o Gabinete de Identificação Criminal do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 447-465, 1923. 

______. Decreto n. 22.332, de 10 de janeiro de 1933. Reajusta o Serviço Policial do Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 51, 1934.

______. Decreto-Lei n. 3.793, de 4 de novembro de 1941. Dá ao Instituto de Identificação do Distrito Federal a denominação de Instituto Félix Pacheco. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 7, p. 356, 1942. 

BRETAS, Marcos Luiz. A guerra das ruas: povo e polícia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1997.

______. Ordem na cidade: o exercício cotidiano da autoridade policial no Rio de Janeiro, 1907-1930. Tradução Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1997a.

CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.

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GALEANO, Diego. Criminosos viajantes: circulações transnacionais entre Rio de Janeiro e Buenos Aires, 1890-1930. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2016.

GARCÍA FERRARI, Mercedes; GALEANO, Diego. Polícia, antropometria e datiloscopia: história transnacional dos sistemas de identificação, do rio da Prata ao Brasil. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 23, supl., dez. 2016, p. 171-194.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices

BR_RJANRIO_AM Série Justiça Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)

 

Referência da imagem

Fundo Pretoria do Rio de Janeiro, 9 (Freguesia do Espírito Santo). BR_RJANRIO_T7_0_PCR_344 Dossiê


 

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