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Patronatos agrícolas

Publicado: Quinta, 22 de Dezembro de 2022, 12h06 | Última atualização em Sexta, 07 de Julho de 2023, 14h03 | Acessos: 1510
Projeto de residência do diretor do Patronato Agrícola Venceslau Brás, s.d.
Projeto de residência do diretor do Patronato Agrícola Venceslau Brás, s.d.

Os patronatos agrícolas, previstos no decreto n. 12.893, de 28 de fevereiro de 1918, tinham a finalidade de oferecer a instrução primária e cívica, além de noções práticas de agricultura, zootecnia e veterinária, aos menores ‘desvalidos’. De acordo com este ato, tais estruturas seriam subordinadas aos postos zootécnicos, fazendas-modelo de criação, núcleos coloniais e outras repartições do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (Brasil, 1919, p. 99-100).

Dentre as justificativas para o estabelecimento dos patronatos presentes no decreto n. 12.893, figurava a importância do ensino agrícola para o favorecimento da produção agropecuária, para o equilíbrio entre a população da cidade e do campo e, de modo geral, para o “futuro do país”, por meio do aproveitamento de menores abandonados ou sem meios de subsistência (Brasil, 1919, p. 99). Desse modo, tais instituições respondiam a um duplo objetivo, qualificar a mão de obra para o trabalho agrícola e contribuir para contornar parte dos problemas dos grandes centros urbanos, especialmente da capital do país, onde, segundo as palavras do ministro João Gonçalves Pereira Lima, acumulava-se um “sombrio exército de meninos abandonados, criminosos e malfeitores de amanhã” (Brasil, 1918, p. 137).

A assistência governamental às crianças e aos adolescentes órfãos ou abandonados ganhou destaque no período imperial a partir da subvenção de instituições de acolhimento e manutenção de órgãos oficiais, como o Asilo dos Meninos Desvalidos e as companhias de aprendizes-marinheiros e de aprendizes dos arsenais de Guerra, que recebiam meninos retirados das ruas pelas polícias nas capitais brasileiras (Rizzini; Rizzini, 2004, p. 25). Se naquele momento a ação governamental assentava-se na necessidade de ilustração do povo, por meio da formação da força de trabalho, da colonização e da contenção das massas desvalidas, na República ela se concentrou na identificação e no estudo dos que careciam de proteção, propiciando um aparelhamento institucional voltado para a ‘salvação’ da infância brasileira, apoiado nas resoluções de congressos internacionais sobre o tema e na “já consolidada categoria de menores” (Rizzini; Rizzini, 2004, p. 28-29). Um dos primeiros resultados desse aparelhamento foi a criação, em 1903, da Escola Correcional Quinze de Novembro, no âmbito do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, encarregada da educação física, profissional e moral de menores abandonados e recolhidos por ordem das autoridades competentes.

Por outro lado, o segundo foco de atuação dos patronatos, o aprimoramento da mão de obra para o trabalho nas lavouras, esteve na pauta dos debates de grupos afastados do centro de poder, que foram determinantes para a instalação do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio em 1909, a partir do desmembramento da pasta da Indústria, Viação e Obras Públicas. Uma das primeiras medidas do novo ministério foi a organização do ensino agronômico, que constituiu uma ampla rede de órgãos voltados para a formação de mão de obra especializada e de quadros superiores, fundamentado em um projeto ‘civilizatório’, visto como estratégico para o controle das relações sociais (Mendonça, 1997, p. 90). Assim, além de impulsionar o incremento econômico do país, o estabelecimento dessas estruturas também evidenciava o interesse na “construção de uma nova ética do trabalho, regeneradora e disciplinadora” (Mendonça, 1997, p. 90).

Os anos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foram marcados por intensas agitações, sobretudo nas grandes cidades, decorrentes do aumento do custo de vida e da carestia provocada pelo crescimento dos preços de gêneros alimentícios. Outra consequência foi o refluxo do movimento migratório externo, que levou os governos e proprietários rurais a concentrarem sua atenção na mão de obra nacional (Oliveira, 2004, p. 132). Foi nesse contexto que se deu a criação dos patronatos agrícolas, destinados à ‘regeneração’ das crianças e adolescentes provenientes das cidades mais populosas, “tendo por arcabouço um rigoroso código disciplinar” (Nery, 2009, p. 28) e funcionando, de certa forma, “como alternativa às tradicionais instituições presidiárias urbanas” (Mendonça, 1997, p. 166).

Os primeiros patronatos agrícolas, estabelecidos a partir da autorização do decreto 12.893, foram o de Pinheiro, em Piraí, anexo ao Posto Zootécnico Federal; o de Santa Mônica, subordinado à fazenda-modelo de criação localizada em Valença; o de Resende, ligado ao campo de demonstração existente nesse município, e o de Mauá,  vinculado ao núcleo colonial de mesmo nome, situados no estado do Rio de Janeiro; e os de João Pinheiro e Monção, associados aos núcleos coloniais existentes nos estados de Minas Gerais e São Paulo, respectivamente (Brasil, 1918, p. 143).

Ainda em 1918, o decreto n. 13.070, de 15 de junho, instituiu o patronato agrícola Venceslau Brás, localizado em Caxambu, Minas Gerais, que, diferentemente da previsão original, era subordinado diretamente à pasta da Agricultura, Indústria e Comércio.

Naquele ano também foram criados dois patronatos localizados em propriedades particulares e subvencionados pelo governo, o de Delfim Moreira, em Silvestre Ferraz, Minas Gerais, pelo decreto n. 13.112, de 20 de julho; e o da Casa dos Ottoni, em Serro, Minas Gerais, pelo decreto n. 13.111, de 20 de julho.

Com exceção do Patronato Agrícola Venceslau Brás, que foi regulamentado pelo próprio ato de criação, os outros patronatos seguiam as instruções gerais aprovadas em 15 de março de 1918, publicadas no relatório ministerial do mesmo ano. De acordo com tais instruções, seriam admitidos e internados, nos patronatos, menores do sexo masculino, de dez a 18 anos, excetuados os “delinquentes, os relapsos na prática de vícios imorais e os que sofressem de moléstia infectocontagiosa ou deficiência orgânica que os invalidassem para os trabalhos do campo” (Brasil, 1918, p. 146).

Os estabelecimentos ofereceriam os cursos primário e profissional. O primeiro destinava-se ao ensino de primeiras letras para os analfabetos, e para os que já as dominavam, noções e elementos de língua portuguesa, aritmética, geografia do Brasil, principais fatos da história pátria, rudimentos de história natural, trabalhos manuais e cultura cívica e moral. O programa do curso profissional compreendia ensino de cultura de cereais e plantas industriais; preparação e aproveitamento de materiais fertilizantes; jardinagem, horticultura, pomicultura e utilização dos respectivos produtos; tratamento dos pastos naturais e formação dos prados artificiais; higiene, criação e alimentação de animais domésticos; e trabalho com máquinas e conhecimento de ferramentas, instrumentos e utensílios (Brasil, 1918, p. 146-147).

Além da educação, os patronatos ofereceriam atendimento médico, dentário e farmacêutico, alimentação e vestuário (Brasil, 1918, p. 148). Em cada unidade haveria farmácia; enfermaria; museu contendo produtos agrícolas, florestais e trabalhos produzidos pelas oficinas; coleção de quadros de ensino agrícola; pavilhão para máquinas e instrumentos; galinheiro; estábulo; cocheira; pocilga; apiário; estrumeira; jardim, horta e pomar; campos de demonstração; viveiros e sementeiras, dentre outras dependências (Brasil, 1918, p. 149).

O patronato seria mantido, em parte, com os rendimentos de sua produção, e os alunos receberiam remuneração de acordo com o trabalho efetuado, cujos valores seriam depositados em caderneta da Caixa Econômica Federal e entregues após o prazo da internação (Brasil, 1918, p. 150). Ao concluírem o curso, os alunos receberiam um certificado de capacidade e teriam preferência, em igualdade de condições, para ocupar cargos nas diversas repartições do ministério, ou seriam encaminhados para propriedades agrícolas (Brasil, 1918, p. 151). Para aqueles que se destacassem, estava prevista a concessão de lotes nos núcleos coloniais ou centros agrícolas, além de auxílio financeiro.

Em 1919, o decreto n. 13.706, de 23 de julho, deu nova organização aos patronatos, subordinando-os à Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento. O ato também criou na estrutura dessa diretoria o cargo de inspetor, com o fim de auxiliar a fiscalização desses estabelecimentos.

De acordo com o decreto n. 13.706, os patronatos seriam voltados para os seguintes ramos de produção: cultura de plantas industriais, horticultura e jardinagem, pomicultura, e pecuária e indústria animal (Brasil, 1920a, p. 148). Seu pessoal seria composto pelo diretor; um médico; um auxiliar agrônomo; um escriturário; um professor primário por grupo de quarenta alunos; um ecônomo almoxarife; um farmacêutico; três mestres de oficinas; um instrutor; um porteiro contínuo; um inspetor por grupo de cem alunos; e um guarda vigilante por grupo de cinquenta alunos. Seriam igualmente admitidos, pelo diretor, inspetores de alunos, guardas vigilantes, enfermeiros, cozinheiros, trabalhadores e lavadeiras (Brasil, 1920a, p. 150).

O cargo de diretor deveria ser exercido, de preferência, por agrônomo ou engenheiro agrônomo, com experiência na direção de estabelecimentos de ensino agrícola, ou de propriedade organizada de acordo com os melhores métodos de exploração rural. O auxiliar deveria ser formado em escola de agricultura da União ou estados. Diferentemente das instruções, esse ato fixou que os menores entre 16 e 18 anos seriam destinados a cursos complementares dos patronatos anexos aos postos zootécnicos, fazendas-modelo e outras estruturas do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio (Brasil, 1920a, p. 152).

O decreto também previu que os governos estadual e municipal e as associações agrícolas poderiam concorrer com terrenos, edifícios e instalações para a fundação de patronatos, cabendo ao governo federal o custeio da instituição e a escolha do pessoal (Brasil, 1920a, p. 158).

Após 1918, foram instituídos novos patronatos a partir da autorização do decreto n. 12.893, como o de Anitápolis, Santa Catarina, e o de Campos Sales, em Passa Quatro, Minas Gerais; ou por meio de atos específicos, caso do Patronato Agrícola Pinheiro Machado, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, pelo decreto n. 13.508, de 19 de março de 1919; Vidal de Negreiros, em Bananeiras, Paraíba, pelo decreto n. 14.118, de 27 de março de 1920; Barão de Lucena, em Jaboatão, Pernambuco, pelo decreto n. 14.275, de 28 de julho de 1920; Visconde da Graça, em Pelotas, Rio Grande do Sul, pelo decreto n. 15.102, de 9 de novembro de 1921; Manuel Barata, em Outeiro, Pará, pelo decreto n. 15.149-A, de 1º de dezembro de 1921; José Bonifácio, em Jaboticabal, São Paulo, pelo decreto n. 15.150, de 1º de dezembro de 1921; Diogo Feijó, em Ribeirão Preto, São Paulo, pelo decreto n. 15.803, de 11 de novembro de 1922; Rio Branco, no Território do Acre, pelo decreto n. 16.082, de 26 de junho de 1923; Doutor João Coimbra, em Rio Formoso, Pernambuco, pelo decreto n. 16.105, de 21 de julho de 1923; Artur Bernardes, em Viçosa, Minas Gerais, pelo decreto n. 17.139, de 16 de dezembro de 1925; e Barracão, Bahia, pelo decreto n. 17.140, de 16 de dezembro de 1925.

Acompanhando a expansão dos patronatos, verificou-se um aumento significativo dos internados, de 801 em 1919, chegando a 2.825 em 1929, parte deles enviada pelo chefe de Polícia do Distrito Federal (Brasil, 1920b, p. 92; 1930, p. 284; Oliveira, 2004, p. 138). De acordo com os relatórios ministeriais, os patronatos desempenharam suas funções com êxito, apesar da carência de recursos orçamentários, que impedia a realização de obras para melhor aparelhamento das unidades (Brasil, 1929, p. 304). Dentre os principais gêneros produzidos nos patronatos estavam arroz, café, feijão e milho (Brasil, 1928, p. 142).

A década de 1920 assistiu, ainda, à reformulação da política de assistência aos menores abandonados e delinquentes, com a aprovação do decreto n. 16.272, de 20 de dezembro de 1923, que também instituiu um Juízo de Menores no Distrito Federal para assistência e julgamento dos menores abandonados e delinquentes, o Conselho de Assistência e Proteção aos Menores e a Escola de Reforma. Em 1927, o decreto n. 17.943-A de 12 de outubro, conhecido como ‘Código de Menores’, dispôs sobre a consolidação das leis de assistência e proteção a menores, cuja vigência perdurou por décadas.

A Diretoria-Geral do Serviço de Povoamento e os patronatos foram transferidos para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, instalado pelo governo de Getúlio Vargas, pelo decreto n. 19.433, de 26 de novembro de 1930. Neste mesmo ano, os patronatos retornaram para a pasta da Agricultura pelo decreto n. 19.481, de 12 de dezembro, e foram extintos os de Casa dos Ottoni, Pereira Lima, Monção, Diogo Feijó, Marquês de Abrantes e Anitápolis, pelo decreto n. 19.494, de 16 de dezembro. Em 1934, o decreto n. 24.115, de 12 de abril, transformou os patronatos em aprendizados agrícolas, exceto os de Venceslau Brás e Artur Bernardes, que passaram para a jurisdição do Ministério da Justiça e Negócios Interiores.

 

Angélica Ricci Camargo
Nov. 2021

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 12.893, de 28 de fevereiro de 1918. Autoriza o Ministério da Agricultura a criar patronatos agrícolas, para educação de menores desvalidos, nos postos zootécnicos, fazendas-modelo de criação, núcleos coloniais e outros estabelecimentos do Ministério. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 99-100, 1919.

______. Decreto n. 13.706, de 25 de julho de 1919. Dá nova organização aos patronatos agrícolas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 618-633, 1920a.

______. Decreto n. 19.481, de 12 de dezembro de 1930. Transfere para o Ministério da Agricultura os patronatos agrícolas a que se refere o decreto n. 13.706, de 25 de julho de 1919. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 81, 1931.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria e Comércio dr. João Gonçalves Pereira Lima. Rio de Janeiro: s.e., 1918. Disponível em: https://bit.ly/3k5YtIr. Acesso em: 5 nov. 2021.

______. Relatório apresentado ao presidente da República pelo ministro de Estado dos Negócios da Agricultura, Indústria e Comércio Ildefonso Simões Lopes. Rio de Janeiro: Papelaria e Tipografia Villas-Bôas & C., 1920b. Disponível em: https://bit.ly/3q8TQRS. Acesso em: 5 nov. 2021.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria e Comércio Geminiano Lira Castro. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1928. Disponível em: https://bit.ly/3F4Ed2j.

Acesso em: 5 nov. 2021.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria e Comércio Geminiano Lira Castro. Rio de Janeiro: Tipografia do Serviço de Informações do Ministério da Agricultura, 1929. Disponível em: https://bit.ly/3GUvDVr. Acesso em: 5 nov. 2021.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Agricultura, Indústria e Comércio Geminiano Lira Castro. Rio de Janeiro: Tipografia do Serviço de Informações do Ministério da Agricultura, 1930. Disponível em: https://bit.ly/3wlcoiR. Acesso em: 5 nov. 2021.

MENDONÇA, Sônia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). São Paulo: Hucitec, 1997.

NERY, Marco Arlindo Amorim Melo. Aprendizados e patronatos: um cotejo entre dois modelos de ensino agrícola das primeiras décadas do século XX (1911-1934). Revista Tempos e Espaços em Educação, Teresina, v. 2, p. 25-32, jan./jun.2009.

OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Civilizar e modernizar: o ensino agrícola no Brasil republicano (1889-1930). História da Educação, Pelotas, n. 15, p. 129-142, 2004.

RIZZINI, Irene; RIZZINI, Irma. A institucionalização de crianças no Brasil: percurso histórico e desafios do presente. Rio de Janeiro: Editora da PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2004.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

 BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_4T Ministério da Justiça e Negócios Interiores

BR_RJANRIO_AM Série Justiça - Polícia - Escravos - Moeda Falsa - Africanos (IJ6)

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Fundação Centro Brasileiro para Infância e Adolescência, BR_RJANRIO_0N_0_MAP_0065_D0001DE00011024_3

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