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Ouvidor-geral das capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente

Publicado: Quinta, 10 de Novembro de 2016, 14h25 | Última atualização em Quarta, 08 de Junho de 2022, 18h13 | Acessos: 4327
Nossa Senhora da Glória, Rio de Janeiro, 1819-1820, em litografia colorida a partir de desenho de Henry Chamberlain
Nossa Senhora da Glória, Rio de Janeiro, 1819-1820, em litografia colorida a partir de desenho de Henry Chamberlain

O cargo de ouvidor-geral das capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente foi criado em decorrência da divisão dessa região em um Estado independente, em 2 de janeiro de 1608. Segundo a bibliografia, a nomeação do primeiro ocupante do cargo, Sebastião Paruí de Brito, ocorreu em 3 de abril desse mesmo ano (Varnhagen, 1962, p. 106).

A Justiça era concebida como a mais considerável função do poder real, e sua administração foi uma das primeiras preocupações da Coroa portuguesa no processo de colonização da América. Os primeiros oficiais de Justiça foram criados ainda no início da colonização, durante a expedição de Martim Afonso, em 1530. Posteriormente, com a distribuição das capitanias hereditárias, as cartas de doação aos donatários determinaram que eles designassem ouvidores para atuarem nos territórios sob sua jurisdição. A partir de 1548, com a instalação do governo-geral, foi estabelecido o cargo de ouvidor-geral, junto com o do governador-geral e do provedor-mor da Fazenda, em uma tentativa de centralizar a administração da colônia.

O ouvidor-geral representava a autoridade máxima da Justiça na colônia, situando-se como elemento intermediário entre os ouvidores designados pelos donatários e a Casa de Suplicação de Lisboa. Através dele, a Coroa portuguesa buscava controlar o exercício dos poderes judiciais que estavam nas mãos de particulares. A Justiça portuguesa na colônia compreendia, desse modo, a justiça real diretamente exercida, desempenhada pelos representantes do rei, e a justiça concedida aos donatários, praticada por delegação (Schwartz, 1979, p. 24; Wehling, Wehling, 2004, p. 37).

No período em que Portugal ficou sob o domínio espanhol (1580-1640), foram promovidas algumas transformações na estrutura administrativa da colônia, com particular destaque para a área judicial. A mais significativa dessas mudanças foi a instalação de um tribunal superior, a Relação da Bahia, em 1609, que ocorreu no mesmo contexto de revisão e promulgação das Ordenações Filipinas em 1603, e da elaboração de normas exclusivas para a colônia, regulamentando atividades relativas à extração e fiscalização das terras minerais e do pau-brasil.

Novos cargos de ouvidores-gerais foram criados para atuar nas divisões administrativas estabelecidas nesse período, a chamada repartição do sul, que abrangia as capitanias de Rio de Janeiro, São Vicente e Espírito Santo, e que vigorou entre 1608 e 1612, e o Estado do Maranhão, instituído em 1621, e que perdurou até 1774. A separação dessas duas áreas e a consequente criação de uma estrutura de governo similar à do Estado do Brasil para cada uma delas significava uma tentativa de exercer maior controle em regiões consideradas estratégicas no sul, devido à descoberta de minas de ouro, e no Maranhão, território pouco povoado e alvo de ataques estrangeiros.

A primeira referência legislativa sobre o ouvidor-geral das capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente encontra-se no regimento da Relação da Bahia, de 7 de março de 1609, que determinava que ele tomasse residência para realizar o exame e a fiscalização dos procedimentos administrativos dos ouvidores de capitanias e capitães a cada três anos.

O cargo de ouvidor-geral foi mantido depois do fim da chamada repartição do sul, em 1612. Em 5 de junho de 1619, foi dado um regimento, dispondo sobre suas atribuições e determinando ainda que ele usasse a alçada e jurisdição dos corregedores do Reino. Nas causas cíveis, o ouvidor-geral teria alçada até 20 mil réis nos bens móveis e 16 mil nos de raiz, podendo pôr penas de até quatro mil, sem apelação e agravo. Também lhe pertencia conhecer, por ação nova, os feitos dos lugares de sua jurisdição até cinco léguas de onde estivesse, sentenciando e dando apelação à Relação da Bahia, e as apelações vindas dos ouvidores das capitanias e dos juízes ordinários das vilas e lugares, dando igualmente apelação à Relação da Bahia. Cabia-lhe ainda passar cartas de seguro e alvarás de fiança; dar instrumentos de agravo e cartas testemunháveis das sentenças interlocutórias, dando agravo à Relação; fazer as correições anuais em todas as capitanias, tirando devassas dos culpados nos mesmos casos em que atuassem os corregedores, e nos de culpados por venderem indígenas contra as ordens reais, por cortarem pau-brasil fora do contrato, ou aqueles que deixassem suas mulheres no Reino por um tempo maior do que o permitido; fazer as audiências; autorizar a fiscalização das despesas da Justiça; e, na ausência dos capitães, prover as serventias, avisando imediatamente ao rei (Portugal, 1855, p. 382-384, Salgado, 1985, p. 203-204).

No regimento seguinte, de 31 de março de 1626, mantiveram-se todas as determinações, exceto a de tirar as devassas, que retornou no regimento de 21 de março de 1630. Este último apenas modificava a instância de apelação, que passava a ser a Casa de Suplicação de Lisboa, pois as atividades da Relação da Bahia estavam suspensas desde 1626.

Após o fim do domínio espanhol sobre Portugal, em 1640, foram passados outros regimentos, contendo mudanças significativas e ampliando as atribuições do cargo. O de 16 de setembro de 1642 determinava que o ouvidor-geral residisse no Rio de Janeiro e visitasse todas as capitanias pertencentes à sua jurisdição uma vez ao ano. Nesse sentido, cabia ao ouvidor-geral informar-se sobre o uso de maior jurisdição, pelos donatários, do que aquela determinada em suas cartas de doação; visitar as minas de São Paulo, ordenando a extração de ouro e fiscalizando a arrecadação dos tributos da Fazenda Real, dando conta ao rei sobre o estado delas; ter alçada de até 20 mil réis nas penas que colocasse; remeter as penas pecuniárias aos juízos competentes; e administrar as receitas e despesas relacionadas à Justiça (Portugal, 1856, p. 461-464; Salgado, 1985, p. 254-256).

Também lhe pertencia: conhecer por ação nova até 15 léguas, e não mais cinco, as causas crimes e cíveis com alçada até 100 mil réis, e, ultrapassando esse valor, dar apelação à Casa de Suplicação; receber as apelações dos ouvidores de capitanias; conhecer as apelações e agravos provenientes dos juízes ordinários, e dos juízes dos órfãos (na ausência do provedor da capitania); passar cartas determinando aos oficiais de Justiça das capitanias que guardassem as cartas de seguro dos clérigos de ordens sacras, ou dos beneficiados com sentenças de liberdade; passar cartas de seguro nos casos de morte em que não houvesse traição ou aleivosia; e passar alvarás de fiança sobre resistências e mortes. Teria ainda alçada nos casos de crimes praticados por escravizados e indígenas, em todas as penas de degredo e açoites e, nos casos de pena de morte, deveria julgar com o capitão-mor e o procurador da Fazenda. Nos crimes cometidos por pessoas nobres, moços da Câmara e cavaleiros fidalgos, o ouvidor-geral deveria despachar com o capitão-mor e o procurador da Fazenda nas penas de até seis anos de degredo, e quando o período fosse maior, ter como adjunto o provedor-mor dos defuntos e ausentes, ou o provedor da Fazenda (Portugal, 1856, p. 461-464; Salgado, 1985, p. 254-256).

Esse regimento determinava que o ouvidor-geral seria auditor dos soldados dos presídios que servissem nas milícias, despachando com o capitão-mor nos casos de crimes militares. Mandava-o também lançar, com o governador ou capitão-mor, bandos para os homiziados e criminosos participarem da defesa militar, em caso de agressão externa, e ordenava fazer autos dos excessos cometidos pelo governador ou capitão-mor, convocando-os a se apresentarem perante os corregedores do Crime da corte (Portugal, 1856, p. 461-464; Salgado, 1985, p. 254-256). Apesar da extensão de suas competências, e ao contrário do que ocorria nas ouvidorias-gerais do Brasil e do Maranhão, o ouvidor-geral das capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente não acumulava as funções de chanceler da Ouvidoria e juiz dos Feitos da Coroa.

Os regimentos seguintes, de 10 de julho de 1651, de 21 de março de 1658 e de 11 de março de 1669, mantiveram as atribuições, modificando itens, como o da instância de apelação, que voltava a ser a Relação da Bahia, restabelecida em 1652. Todos os regimentos, além de determinarem as competências do cargo, definiam os procedimentos de substituição do ocupante em caso de doença ou outro impedimento, proibindo o governador de tirá-lo sem ordem do próprio rei.

Além disso, todos esses atos mencionavam que os ouvidores-gerais possuiriam a mesma jurisdição e alçada dos corregedores do Reino, definidas no título LVIII do Livro I das Ordenações Filipinas. Como o corregedor, o ouvidor-geral deveria praticar a correição, que consistia em visitar todas as cidades e vilas sob sua jurisdição para se certificar do estado da Justiça, inspecionar o procedimento de magistrados de menor categoria, além de presidir audiências (Schwartz, 1979, p. 6). Nos autos das correições realizadas pelo ouvidor dessa região aparece uma diversidade de temas ligados às questões relativas à organização dos municípios, tais como o abastecimento de água, a medição de terras, problemas com preços de determinados gêneros, provimento de ofícios, participação de pessoas “adequadas” nos processos eleitorais, necessidade de reforma ou construção de câmaras, cadeia e pelourinho (Mello, 2009, p. 42; Sanches, 2003, p. 134).

A legislação não é clara quanto ao fim do cargo de ouvidor-geral das capitanias do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Vicente, mas em 13 de outubro de 1751, como resultado do aumento da demanda judicial, associada à morosidade e ineficiência na administração da Justiça na colônia, o Rio de Janeiro passou a ser sede do segundo tribunal de apelação no Brasil, a Relação do Rio de Janeiro.


Angélica Ricci Camargo
Jan. 2014

 

Fontes e bibliografia
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino: aulico, anatomico, architectonico… Coimbra, 1712-1728. Disponível em: https://goo.gl/6xTgQ5. Acesso em: 2 set. 2009.

HESPANHA, Antônio M. As vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal (século XVII). Coimbra: Almedina, 1994.

MELLO, Isabele de Matos Pereira de. Administração, justiça e poder: os ouvidores gerais e suas correições na cidade do Rio de Janeiro (1624-1696). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói-RJ, 2009. Disponível em: https://goo.gl/h8gFYD. Acesso em: 2 set. 2009.

PORTUGAL.Código filipino, ou, Ordenações e leis do Reino de Portugal recopiladas por mandado d’el-Rey D. Phillippe I… / por Candido Mendes de Almeida, segundo a primeira de 1603, e a nona de Coimbra de 1824, v. 1, 14. ed.  Rio de Janeiro: Tip. do Instituto Philomatico, p. 103-112, 1870.

______.Regimento do ouvidor do Rio de Janeiro, Espírito e S. Vicente, de 5 de junho de 1619. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1613 a 1619. Lisboa, p. 382-384, 1855. Disponível em: https://goo.gl/dZjuoK. Acesso em: 23 mar. 2008.

______. Regimento do ouvidor-geral do Rio de Janeiro, de 16 de setembro de 1642. Coleção cronológica da legislação portuguesa compilada e anotada por José Justino de Andrade e Silva. Legislação de 1640 a 1647. Lisboa, p. 461-464, 1856. Disponível em: https://goo.gl/dZjuoK. Acesso em: 23 mar. 2008.

SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos: a administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

SANCHES, Marcos Guimarães. O Rei visita seus súditos…: a Ouvidoria do Sul e as correições na Câmara do Rio de Janeiro. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 164, n. 421, p. 123-142, out./dez. 2003.

SCHWARTZ, Stuart B. Burocracia e sociedade no Brasil colonial: a Suprema Corte da Bahia e seus juízes: 1609-1751. Tradução de Maria Helena Pires Martins. São Paulo: Perspectiva, 1979. (Estudos, v. 50).

VARNHAGEN, Francisco Adolpho de. História geral do Brasil antes da sua separação e independência de Portugal, v. 1, t. 2. 7. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962.

WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e justiça no Brasil colonial: o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004.


Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional
BR_RJANRIO_6D Ouvidoria-Geral do Rio de Janeiro
BR_RJANRIO_86 Secretaria do Estado do Brasil


Referência da Imagem
Sir Henry Chamberlain. Vistas e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro em 1819-1820. Rio de Janeiro: Kosmos, 1943. OR_1985

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