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Inspetoria de Obras Contra as Secas

Publicado: Quinta, 17 de Junho de 2021, 10h17 | Última atualização em Quinta, 07 de Abril de 2022, 18h43 | Acessos: 3248
Trabalhadores da Inspetoria de Obras Contra as Secas na construção do açude Acarape no Ceará,  1910
Trabalhadores da Inspetoria de Obras Contra as Secas na construção do açude Acarape no Ceará, 1910

A Inspetoria de Obras Contra as Secas, também denominada Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas, do Ministério da Viação e Obras Públicas (MVOP), foi criada pelo decreto n. 7.619, de 21 de outubro de 1909, com objetivo de organizar o serviço de levantamento das zonas mais assoladas pelas secas e realizar a coleta dos dados meteorológicos, geológicos, topográficos e quaisquer outros necessários à sistematização dos estudos e à realização de obras contra os efeitos das secas (Brasil, 1913, art. 49).

As estiagens na região Nordeste do país são um problema antigo, datando do século XVI o primeiro relato sobre o fenômeno, ocorrido no semiárido nordestino. No século XVIII, a prolongada seca que se sucedeu entre os anos 1791 e 1793 mereceu destaque não só por ter sido bastante agressiva, como por ter atingido parte significativa da referida região. Já no XIX, registraram-se as secas de 1824-1825, 1845, 1877-1879 e 1888-1889. A seca da década de 1820 foi agravada pela conjuntura de guerra que marcou o período imediatamente após a independência, provocando a dizimação de boa parte da população, que, além da fome e da miséria, sofria com a propagação de epidemias. Já a seca do final da década de 1870 foi devastadora, com perda de plantações e de animais, grassando a fome entre a população pobre, deixando em torno de três milhões de flagelados e uma alta taxa de mortalidade, seguida da emigração em massa da população em direção ao litoral ou às cidades do sertão, que tinham sofrido menos com a estiagem (Dandaro; Marcondes, 2018, p. 114-115).

Na década de 1830, o governo imperial passou a adotar uma série de medidas para combater os efeitos das secas, seja realizando obras tais como a construção e abertura de fontes artesanais na região atingida, seja enviando socorro aos flagelados. Entretanto, a ocorrência da seca entre os anos de 1877 e 1879, que atingiu particularmente o Ceará, e redundou em graves prejuízos para toda a região, levou o governo a tratar o problema sob uma perspectiva mais técnica, criando, para tanto, a Comissão de Açudes e Irrigação de Quixadá. Essa comissão ficou encarregada de construir o açude do Cedro, situado próximo à vila de Quixadá, cujo projeto de construção, embora date de 1882, só se iniciou na década de 1890, tendo sido concluído em 1906. A comissão ficou responsável também pelas obras dos açudes de Acaraú-Mirim, Papara e Jordão, que não foram finalizadas no período previsto. Além disso, a população flagelada foi socorrida por meio de auxílio à emigração, sendo direcionada às províncias produtoras de café e à Amazônia (Dandaro; Marcondes, 2018, p. 114-115).

Embora desde o final do século XIX e início do XX comissões técnicas e a Superintendência de Estudos e Obras Contra os Efeitos da Seca (1906-1909) já tratassem dos problemas causados pelas estiagens que ciclicamente assolavam a região Nordeste do país, foi somente em 1909, com a criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas, que o governo federal mudou efetivamente a forma de enfrentá-los, planejando e executando um programa permanente destinado a prevenir e atenuar seus efeitos. A inspetoria absorveu ainda todas as despesas referentes ao combate dos efeitos da seca que antes se encontravam distribuídas de maneira dispersa no ministério (Dandaro; Marcondes, 2018, p. 124).

Conforme o regulamento baixado pelo decreto n. 7.619, de 21 de outubro de 1909, coube à inspetoria a construção de açudes, poços tubulares ou artesianos, canais de irrigação e barragens submersas nos leitos dos rios para modificar o regime torrencial dos cursos de água; a realização de drenagem e dessecagem dos vales não aproveitados do litoral; e o melhoramento das terras cultiváveis do interior, visando à fixação de famílias retirantes que as requeressem. A Inspetoria de Obras Contra as Secas ficou encarregada, ainda, da produção de estudos sistematizados das condições meteorológicas, geológicas e topográficas das zonas atingidas, com a previsão de instalação de observatórios meteorológicos e de estações pluviométricas; conservação e reconstituição das florestas; e  construção de estradas de ferro de penetração e de auxiliares às principais, de rodagem, que possibilitassem a ligação das áreas afetadas pelas estiagens com os principais mercados e centros produtores.

A direção e a fiscalização das obras que visavam atenuar os efeitos da seca a cargo da União, ou com o seu auxílio, mas executadas pelos estados, pelas municipalidades ou pelos particulares, ficaram sob a responsabilidade da inspetoria, cabendo-lhe celebrar contratos e acordos, realizar o estudo, projeto, orçamento e execução das referidas obras então determinadas pelo Ministério da Viação e Obras Públicas. No que se refere às obras que estavam a cargo do governo federal, a inspetoria se encarregaria ainda de cuidar da sua conservação e exploração.

Desde fins do século XIX, a construção de grandes açudes públicos, isto é, aqueles situados em terras da União ou que tenham sido desapropriadas para esse fim, foi considerada bastante eficaz, tornando-se ao longo da Primeira República uma medida recorrente no combate aos efeitos da seca. No entanto, o decreto n. 7.619, de 1909, regulamentou a construção de açudes de pequeno e médio porte em propriedades privadas, cujas obras seriam executadas à custa dos interessados (agricultores, pecuaristas, sindicatos agrícolas ou a municipalidade). Tal operação consistia em um “prêmio em dinheiro” concedido pela União, correspondente à metade do custo total da obra (Brasil, 1913, art. 36). Concluída a construção sob a fiscalização da inspetoria, o proprietário que requereu o ‘prêmio’ ficava obrigado a conservar o açude, além de fornecer água na vizinhança para fins de consumo doméstico. Em 1911, foram registrados perto de cem pedidos de requerimento dos interessados em construir açudes em suas propriedades, em especial nos estados do Rio Grande Norte e Paraíba, o que mostrava, conforme o ministério, o êxito de tal modelo. Esse recurso foi mantido pelo decreto n. 9.256, de 28 de dezembro de 1911, que reorganizou os serviços a cargo da Inspetoria de Obras Contra as Secas, e, mais tarde, o regulamento de 1915, baixado pelo decreto n. 11.474, de 3 de fevereiro, incluiu a realização de estudos para a construção de açudes particulares no âmbito dos serviços da inspetoria, passando a União a concorrer para elevar o número dessas obras (Brasil, 1912, p. 461; Brasil, 1917a, art. 2º, inciso VI).

A inspetoria foi composta por uma seção central, que funcionava junto ao ministério, constituída por um inspetor, um subinspetor e por três seções distritais, 1ª, 2ª e 3ª, encarregadas de executar, respectivamente, os trabalhos nos estados do Ceará e Piauí; Rio Grande do Norte e Paraíba; e nas zonas secas compreendidas entre Pernambuco e o norte de Minas Gerais. Em cada seção distrital haveria um engenheiro, que era o chefe da seção, além de engenheiros de 1ª e 2ª classes, condutores de 1ª e 2ª classes, um desenhista escriturário, um pagador e um almoxarife. Com o regulamento de 1911, baixado pelo decreto n. 9.256, de 28 de dezembro, a 3ª seção passou a abranger também os estados de Alagoas, Bahia e Sergipe.

A partir do regulamento mencionado, foram acrescentados aos serviços da inspetoria a piscicultura nos açudes e rios não perenes, além de postos de observação e medição das correntes dos rios. Relativamente aos serviços destinados à conservação e reconstituição das florestas, a inspetoria passou a instalar hortos florestais, onde deviam ser criados viveiros de árvores, nacionais ou estrangerias, para transplantação, além de fazer experimentação de plantas industriais e forrageiras, com posterior distribuição das espécies mais proveitosas. Ficou prevista também a realização de estudos sobre métodos práticos de irrigação e de transplantação das espécies criadas ou cultivadas nos viveiros, considerados indispensáveis para o desenvolvimento do florestamento das regiões assoladas pelas estiagens. Os regulamentos da inspetoria da década de 1910 continuaram a prever a instalação de postos de observação e medição das correntes dos rios (Brasil, 1915, 1915a, 1917).

No início do século XX, registra-se um crescimento considerável nos gastos com obras para combater os efeitos da seca, se comparados, por exemplo, com o recurso alocado no socorro público aos flagelados, medida de caráter assistencialista cujos gastos até o final da segunda metade do século XIX suplantavam os empregados na realização de obras de prevenção. Entre elas, destaca-se o dessecamento do baixo vale do rio Ceará-Mirim, realizado pela inspetoria em 1910, considerado a primeira obra dessa espécie destinada a mitigar os efeitos da seca. Foi, no entanto, a açudagem que cresceu em importância nesse período, sendo construídos três açudes públicos de grande porte – Orós, Forquilha e Acarapé do Meio – em funcionamento até hoje no estado do Ceará, além de outros no Rio Grande do Norte (Brasil, 1911, p. 470; Dandaro; Marcondes, 2018, p. 123-125). A partir da seca de 1915, a ênfase nas obras de construção de açudes na região Nordeste se acentuou, sendo parte significativa do crédito extraordinário aberto ao Ministério da Viação e Obras Públicas pelo decreto n. 11.641, de 15 de julho de 1915, utilizado em projetos de reconstrução e conservação de açudes, obras consideradas emergenciais que prestaram grande ajuda à população local afetada pelo flagelo. A açudagem ganhou nova força durante a presidência do paraibano Epitácio Pessoa (1919-1922), mantendo-se até o final da década de 1920 como o principal meio de combate à seca (Brasil, 1917a, p. 210 e 261).

Em 1919, a inspetoria ganhou novo regulamento, baixado pelo decreto n. 13.687, de 9 de julho, destinando-se a executar obras e fomentar serviços que atenuassem ou prevenissem os efeitos das secas nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e norte de Minas Gerais. Couberam à inspetoria o estudo e a construção de açudes, de estradas de rodagem, de barragens submersíveis, e a perfuração de poços. Realizava ainda estudos sistematizados das condições meteorológicas, geológicas, hidrométricas e topográficas da região das secas, e o levantamento cartográfico das localidades assoladas. Ficou encarregada da piscicultura nos açudes e da cultura florestal, por meio da criação de viveiros de plantas florestais, forrageiras, frutíferas, indígenas ou estrangeiras nos açudes públicos.

Ainda no ano de 1919, o decreto n. 3.965, de 25 de dezembro, autorizou o governo federal a realizar as obras necessárias à irrigação de terras cultiváveis no Nordeste brasileiro, sendo igualmente mantidas as que já haviam sido previstas pelo regulamento da inspetoria. Esse mesmo decreto instituiu uma caixa especial, cujos recursos seriam utilizados nas despesas relativas à construção, custeio e conservação das referidas obras de irrigação, cujo regulamento foi baixado pelo decreto n. 14.102, de 17 de março de 1920, com a denominação de Caixa Especial das Obras de Irrigação de terras cultiváveis no Nordeste brasileiro. A caixa foi instituída no governo Epitácio Pessoa, que se preocupou de fato com o problema da seca, empregando recursos significativos com a ajuda ao Nordeste. A caixa contava com diferentes tipos de recursos, cabendo notar que a República comprometia 2% da sua receita, e os estados, onde as obras seriam realizadas, contribuíam com dois a seis por cento do seu orçamento. A partir do governo Artur Bernardes, os recursos da inspetoria destinados às obras de combate à seca sofreram uma drástica redução, o que acarretou a interrupção de alguns grandes empreendimentos, como o açude de Orós, que só foi concluído em 1961 (Dandaro; Marcondes, 2018, p. 116). A caixa foi extinta pelo decreto n. 16.403, de 12 de março de 1924.

Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Abr. 2020

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 1.396, de 10 de outubro de 1905. Dispõe sobre as despesas a fazer com a construção de obras preventivas dos efeitos das secas que periodicamente assolam alguns estados do Norte. Disponível em: https://bit.ly/2xjKGcs. Acesso em: 31 mar. 2020.

______. Decisão n. 14, de 7 de maio de 1906. Cria a Superintendência dos Estudos e Obras contra os Efeitos da Seca. Decisões do governo da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, p. 13-15, 1910.

______. Decreto n. 7.619, de 21 de outubro de 1909. Aprova o regulamento para a reorganização dos serviços contra os efeitos das secas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 68-72, 1913.

______. Decreto n. 9.256, de 28 de dezembro de 1911. Reorganiza os serviços a cargo da Inspetoria de Obras Contra as Secas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 358-383, 1915.

______. Decreto n. 11.474, de 3 de fevereiro de 1915. Aprova o regulamento para a Inspetoria de Obras Contra as Secas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 262-288, 1915a.

______. Decreto n. 11.641, de 15 de julho de 1915. Abre ao Ministério da Viação e Obras Públicas o crédito extraordinário de 5.000:000$, para ser aplicado às obras de reconhecida utilidade na zona do Nordeste assolada pela seca. Disponível em: https://bit.ly/3cfGWaA. Acesso em: 13 abr. 2020.______. Decreto n. 12.330, de 27 de dezembro de 1916. Dá novo regulamento à Inspetoria de Obras Contra as Secas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 327-350, 1915b.

______. Decreto n. 13.687, de 9 de julho de 1919. Aprova o regulamento para a Inspetoria de Obras Contra as Secas. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. e., p. 47-73, 1920.

______. Decreto n. 3.965, de 25 de dezembro de 1919. Autoriza a construção de obras necessárias à irrigação de terras cultiváveis no Nordeste brasileiro e dá outras providências. Disponível em: https://bit.ly/2Rzfe0I. Acesso em: 8 abr. 2020.

______. Decreto n. 14.102, de 17 de março de 1920. Aprova o regulamento para a Caixa Especial das Obras de Irrigação de terras cultiváveis no Nordeste Brasileiro. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, tomo 2, p. 814-835, 1921.

______. Decreto n. 16.403, de 12 de março de 1924. Extingue a Caixa Especial das Obras de Irrigação de terras cultiváveis no Nordeste Brasileiro e dá outras providências decorrentes dessa extinção. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 359-362, 1925.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas J. J. Seabra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1911.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas José Barbosa Gonçalves. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912.

______.  Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas José Barbosa Gonçalves. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1912.

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos Estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Viação e Obras Públicas Augusto Tavares de Lyra. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1917b.

DANDARO, Fernanda Massarotto; MARCONDES, Renato Leite. Obras públicas no contexto regional: secas e gastos no Nordeste brasileiro (1860-1940). Revista Econômica do Nordeste, Fortaleza, v. 49, n. 3, p. 113-127, jul./set. 2018.

DEPARTAMENTO Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). In: DICIONÁRIO histórico-biográfico da Primeira República 1889-1930. Disponível em: https://bit.ly/3ekGYzE. Acesso em: 19 mar. 2020.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional 

BR_RJ_AN_RIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJ_AN_RIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices

BR_RJ_AN_RIO_F4 Francisco Bhering

BR_RJ_AN_RIO_AC Série Interior - Obras contra as Secas, Inundações e Irrigações (IJJ14)

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Coleção de Fotografias Avulsas, BR_RJANRIO_0_FOT_0484_D001_DE001

 

 

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