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Assistência Médica e Legal de Alienados

Publicado: Quarta, 14 de Agosto de 2019, 12h32 | Última atualização em Sexta, 28 de Abril de 2023, 17h47 | Acessos: 8643

A Assistência Médica e Legal de Alienados foi criada pelo decreto n. 206-A, de 15 de fevereiro de 1890, com a finalidade de socorrer os enfermos alienados, nacionais e estrangeiros, que necessitassem de auxílio público, bem como os que, mediante determinada contribuição, dessem entrada em seus hospícios. Conforme o artigo 13, do decreto n. 206-A, seriam admitidos em asilos especiais exclusivamente destinados à reclusão e ao tratamento “todas as pessoas que, por alienação mental adquirida ou congênita”, perturbassem a tranquilidade pública, ofendessem a moral e os bons costumes ou que atentassem contra a vida de outrem ou a própria (Brasil, 1890a, p. 23).

Hospício Nacional de Alienados, as colônias Conde de Mesquita e de São Bento constituíram a Assistência Médica e Legal dos Alienados. Segundo o decreto, os estabelecimentos que no futuro fossem instituídos a expensas do governo na capital federal também integrariam a assistência, cuja direção ficou a cargo de um médico diretamente subordinado ao ministro do Interior.

O Hospício Nacional de Alienados era o estabelecimento central da assistência local onde eram recolhidos todos os indivíduos enfermos por um período de, no mínimo, quinze dias para verificação dos sintomas de alienação mental e posterior admissão nos seus asilos. As admissões eram classificadas em ex officio e voluntárias. As ex officio eram requisitadas pelas autoridades policiais por meio do chefe de Polícia, sendo acompanhadas por pareceres de médicos pertencentes à instituição policial, e por informações que legitimassem a reclusão solicitada. As voluntárias podiam ser requeridas por um dos cônjuges, pai, irmão, ascendente ou descendente, ou ainda por um tutor ou curador, casos em que a admissão seria provisória. Passados pelo menos quinze dias, alguns doentes podiam ser ‘admitidos definitivamente’, mediante apresentação do atestado do médico do asilo, necessitando, para isso, de aprovação do diretor da assistência. Cabia a este último, ainda, comunicar às autoridades os indivíduos passíveis de serem admitidos de forma permanente (Brasil, 1890a).

As colônias Conde de Mesquita e de São Bento, ambas situadas na Ilha do Governador, ficaram exclusivamente reservadas aos alienados indigentes transferidos do Hospício Nacional aptos para o serviço agrícola e para as indústrias. Conforme estipulado pelo decreto n. 3.244, de 29 de março de 1899, as colônias funcionavam como anexos daquele hospício, que possuía a função de superintender as atividades ali desenvolvidas.

Nas primeiras décadas do século XIX, os alienados mentais usufruíam de certa popularidade e andavam livremente pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro, embora fossem muitas vezes alvo de pilhéria da população. Mas, a partir da década de 1830, os médicos da Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro iniciaram uma campanha contra a livre circulação dos alienados e, também, dos animais ferozes e dos embriagados. A comparação entre a alienação mental e a ferocidade dos animais feita pelos médicos visava mostrar o perigo que os alienados em liberdade podiam representar para a sociedade. Elaboraram, portanto, uma postura municipal determinando que os embriagados fossem levados aos Corpos de Guarda Municipais Permanentes, e os loucos, internados na Santa Casa de Misericórdia. Outra prática usual na época consistiu no isolamento dos alienados em recintos privados quando pertencessem às classes abastadas (Engel, 2001, p. 183).

O primeiro hospício da cidade do Rio de Janeiro, denominado de Pedro II, foi destinado ao tratamento dos alienados que demandassem uma terapêutica especializada e o acompanhamento de profissionais qualificados.

A criação de um estabelecimento dessa natureza tinha por fim normatizar o comportamento da população, notadamente dos pobres e dos miseráveis, conforme o modelo da medicina social de inspiração francesa difundida pelas instâncias médicas do país responsáveis por viabilizar a higienização dos espaços públicos. Assim, a população internada no Hospício de Pedro II foi constituída, majoritariamente, pelos indigentes de condição livre admitidos gratuitamente (Engel, 2001, p. 188; 199).

Embora tenha sido instituído com o objetivo de isolar os loucos, considerados uma ameaça física e moral para si mesmos e para os demais, o hospício devia ainda tratar e curar a loucura. Contudo, na prática, a autoridade do alienista foi bastante restringida. Dessa maneira, o hospício se tornou predominantemente, mas não exclusivamente, uma instituição que isolava o alienado. No entanto, cabe ressaltar que, a partir da criação do Hospício de Pedro II, teve início o processo de “medicalização da loucura”, representando de fato um passo importante na sua transformação em doença mental (Engel, 2001, p. 188; 199; 220-221).

Nas décadas de 1870 e 1880, o Hospício de Pedro II se tornou alvo de inúmeras críticas por parte da comunidade médica, notadamente dos psiquiatras. Mas foi somente com a instauração da República que os governos passaram a adotar medidas relativas à gestão da assistência aos alienados. Conforme a historiografia, tais medidas foram consideradas, posteriormente, marcos relevantes da instituição da psiquiatria brasileira, que passou então a ser vista como uma área de produção e difusão de uma prática e de um saber especializados. Entre essas iniciativas destacam-se o decreto n. 142-A, de 11 de janeiro de 1890, que separou o Hospício de Pedro II – denominado Hospício Nacional de Alienados a partir de 1890 – da administração da Santa Casa de Misericórdia, tornando-o uma instituição pública independente; a criação da Assistência Médica e Legal de Alienados em fevereiro de 1890; e, por último, a aprovação de uma legislação federal voltada para a assistência médico-legal aos alienados, com o decreto n. 1.132, de 22 de dezembro de 1903 (Engel, 2001, p. 255).

Conforme as instruções regulamentares estabelecidas pelo decreto n. 206-A, de 15 de fevereiro de 1890, o Hospício Nacional tinha por finalidade o recolhimento e o tratamento dos alienados. Esse diploma legal determinou também que seriam admitidas no estabelecimento todas as pessoas alienadas que perturbassem a tranquilidade pública e ofendessem a moral e os bons costumes. Segundo a estatística constante no relatório da assistência, entre os anos de 1890 e 1897, observou-se, segundo o inspetor-geral, um aumento considerável no número de admissões no Hospício Nacional, chegando a 4.730 enfermos ao longo desse período. Tal crescimento foi associado à ampliação explícita das admissões permitidas pelo decreto de criação da assistência, que englobou outros segmentos da população, além dos doentes mentais propriamente ditos. O relatório do inspetor-geral chamava atenção para o elevado número de admissões por requisição do chefe de Polícia, que chegou, em 1895, a 537, do total de 706 indivíduos suspeitos de alienação mental. Tal crescimento se manteria constante até o final da década de 1890, acarretando, entre outros problemas, dificuldades orçamentárias e a superlotação dos asilos da assistência (Engel, 2001, p. 300; 391).

Esse aumento no número de internações foi acompanhado por uma diversificação nos padrões dos diagnósticos sobre a doença mental, orientados conforme a teoria da degenerescência (1857), do médico francês Benedict-Augustin Morel, indicando de fato uma mudança efetiva no papel da instituição a partir da instauração do regime republicano (Engel, 2001, p. 253-254).

A direção de todos os asilos pertencentes à então denominada Assistência Médico-Legal de Alienados ficou a cargo de um médico diretamente subordinado ao ministro do Interior, mas a partir do decreto n. 508, de 21 de junho de 1890, passou a ser exigido que esse profissional possuísse “competência comprovada em estudos psiquiátricos” para exercer o cargo de diretor-geral (Brasil, 1896a, p. 1.333). Cabia-lhe, entre outras atribuições, apresentar anualmente ao ministro um relatório sobre os meios terapêuticos empregados no tratamento dos enfermos, contendo informações estatísticas relativas às instituições asilares, às observações científicas realizadas, além de um relato sobre o estado financeiro da instituição.

A receita da assistência provinha de diversas fontes, tais como os rendimentos do patrimônio do próprio Hospício Nacional, a contribuição do Rio de Janeiro e demais estados, que enviavam alienados para suas instituições asilares, a importância paga pelos doentes contribuintes (pensionistas), o produto das loterias e os donativos, esmolas, legados, doações e heranças deixadas em prol dos estabelecimentos da assistência e, ainda, por meio da arrecadação de impostos criados especialmente em benefício dos institutos de assistência do município da capital federal conforme determinado pelo artigo 10 da lei n. 3.396, de 24 de novembro de 1888. Outros rendimentos foram incorporados posteriormente à receita do Hospício Nacional como a contribuição proveniente dos ministérios da Guerra, da Marinha e da Justiça relativa ao tratamento dos oficiais e praças do Exército, da Armada e do regimento policial, o arrendamento do cais e do guindaste em frente ao Hospício Nacional, bem como o produto do trabalho dos enfermos alienados recolhidos aos estabelecimentos da assistência (Brasil, 1896a).

Em 1892, ocorreu uma nova mudança na estrutura da assistência a partir do decreto n. 896, de 29 de junho, que criou um pavilhão destinado a receber os doentes suspeitos de alienação mental enviados pelas autoridades públicas e admitidos gratuitamente. Esse pavilhão denominado de ‘Observação’ ficou sob a direção imediata do lente da clínica psiquiátrica e de moléstias nervosas da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, sendo administrado pelo Hospício Nacional, conforme o decreto n. 1.559, de 7 de outubro de 1893. Cabe ressaltar, no entanto, que uma seção de observação já havia sido criada preliminarmente no Hospício de Pedro II, em 1886 (Engel, 2001, p. 136).

A partir da lei n. 23, de 30 de outubro de 1891, a assistência passou a ficar subordinada ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. Com o decreto n. 1.559, de 7 de outubro de 1893, a Assistência Médico-Legal de Alienados  ficou constituída pelo Hospício Nacional, pelas colônias Conde de Mesquita e de São Bento e pelo Pavilhão de Observação. Em 1897, o decreto n. 2.467, de 19 de fevereiro, definiu que integravam a assistência o pavilhão dos enfermos em observação, o Hospício Nacional, que possuía na sua estrutura um museu anatomopatológico, um gabinete eletroterápico, uma escola profissional de enfermeiros, oficinas e as colônias de alienados da Ilha do Governador, bem como quaisquer instituições asilares que a União instituísse e mantivesse na capital federal. Esse mesmo diploma legal, reformulando a assistência, estabeleceu que entre as atribuições do inspetor-geral fosse incluída a publicação de estudos e pesquisas relacionados à psiquiatria e às moléstias nervosas, com vistas não só a atualizar o conhecimento sobre as principais correntes da psiquiatria, tanto europeia quanto americana, como também divulgar os trabalhos dos psiquiatras brasileiros. A partir da iniciativa de Juliano Moreira e Afrânio Peixoto, foi publicado, em 1905, o periódico Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Ciências Afins. Nas décadas de 1920 e 1930, surgiriam outras publicações vinculadas às instituições asilares pertencentes à assistência, com destaque para os Arquivos do Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, criados por Juliano Moreira e Heitor Carrilho (Engel, 2001, p. 137).

Os regulamentos da Assistência a Alienados da primeira década do século XX mantiveram as competências e as estruturas anteriores, mas previram a fundação de colônias para ébrios e epiléticos (Brasil, 1907b; 1915a). Mas a partir do decreto n. 14.821, de 25 de maio de 1921, o Manicômio Judiciário, destinado à internação dos condenados recolhidos às prisões federais que apresentassem sintomas de alienação mental, passou a integrar a estrutura da assistência. Com uma nova organização baixada pelo decreto n. 5.148-A, de 10 de janeiro de 1927, o serviço agora denominado Assistência a Psicopatas no Distrito Federal teve sua estrutura alterada, sendo composta pelas seguintes instituições: Manicômio Judiciário, Hospital Nacional de Psicopatas, Instituto Neurobiológico, Instituto de Fisioterapia e Colônias de Alienados (Brasil, 1907b; 1915a). O regulamento de 1927 manteve a determinação sobre suas atribuições, já estipulada pelo decreto de criação da assistência, destinada ao recolhimento dos indivíduos acometidos por doença mental, congênita ou adquirida, ou aos que atentassem contra a própria vida e, ainda, aos que perturbassem a ordem ou ofendessem a moral pública (Brasil, [1928a).

No último regulamento da década de 1920, a Assistência a Psicopatas no Distrito Federal passou a ter por finalidade socorrer as pessoas que apresentassem perturbações mentais e, também, estudar os problemas relativos à higiene mental e a psicofisiologia normal ou mórbida, aplicada às diversas atividades sociais, com vistas a organizar eficazmente a profilaxia das perturbações nervosas e mentais (Brasil, 1928b).

A partir do decreto n. 19.518, de 22 de dezembro de 1930, a Assistência a Psicopatas ficou subordinada ao Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, criado em 14 de novembro de 1930 por um dos primeiros atos do governo provisório de Getúlio Vargas.

 

Gláucia Tomaz de Aquino Pessoa
Mar. 2019

 

Fontes e bibliografia

BRASIL. Decreto n. 142-A, de 11 de janeiro de 1890. Desanexa do hospital da Santa Casa de Misericórdia desta capital o Hospício de Pedro II, que passa a denominar-se Hospital Nacional de Alienados. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 1, p. 23, 1890a.

______. Decreto n. 206-A, de 15 de fevereiro de 1890. Aprova as instruções a que se refere o decreto n. 142-A, de 11 de janeiro último, e cria a Assistência Médica e Legal de Alienados. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 2, p. 276-288, 1890b. 

______. Decreto n. 508, de 21 de junho de 1890. Aprova o regulamento para a Assistência Médico-Legal de Alienados. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 6, p. 1.333, 1896a. 

______. Decreto n. 791, de 27 de setembro de 1890. Cria no Hospício Nacional de Alienados uma escola profissional de enfermeiros e enfermeiras. Decretos do governo provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, fascículo 9, p. 1.890, 1890c.

______. Decreto n. 896, de 29 de junho de 1892. Consolida as disposições em vigor relativas aos diferentes serviços da Assistência Médico-Legal de Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 283, 1893.

______. Decreto n. 1.559, de 7 de outubro de 1893. Reorganiza o serviço da Assistência Médico-Legal de Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 689, 1894.

______. Decreto n. 2.467, de 19 de fevereiro de 1897. Dá novo regulamento para a Assistência Médico-Legal a Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 175, 1898.

______. Decreto n. 3.244, de 29 de março de 1899. Reorganiza a Assistência a Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, parte 2, p. 281, 1902.

______. Decreto n. 1.132, de 22 de dezembro de 1903. Reorganiza a Assistência a Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 183, 1907a.

______. Decreto n. 5.125, de 1º de fevereiro de 1904. Dá novo regulamento à Assistência a Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 60, 1907b.

______. Decreto n. 8.834, de 11 de julho de 1911. Reorganiza a Assistência a Alienados. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 138, 1915a.

______. Decreto n. 9.196, de 9 de dezembro de 1911. Reorganiza a Secretaria de Estado da Justiça e Negócios Interiores. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 3, p. 1.296-1.316, 1915b.

______. Decreto legislativo n. 5.148-A, de 10 de janeiro de 1927. Reorganiza a Assistência a Psicopatas no Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 1, p. 18-23, 1928a.

______. Decreto n. 17.805, de 23 de maio de 1927. Aprova o regulamento para execução dos serviços da Assistência a Psicopatas no Distrito Federal. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil, Rio de Janeiro, v. 2, p. 198-231, 1928b. 

______. Relatório apresentado ao presidente da República dos estados Unidos do Brasil pelo ministro de Estado da Justiça e Negócios Interiores, dr. Antônio Gonçalves Ferreira, em abril de 1896. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1896b. Disponível em: https://bit.ly/2FaFure. Acesso em: 18 mar. 2019. 

ENGEL, Magali Gouveia. Os delírios da razão: médico, loucos e hospícios (Rio de Janeiro, 1830-1930). Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2001.

HOSPÍCIO de Pedro Segundo. In: DICIONÁRIO da Administração Pública Brasileira do Período Imperial (1822-1889), 2016. Disponível em: https://bit.ly/2RNSYP9. Acesso em: 30 nov. 2018.

MACHADO, Roberto et al. Danação da norma: a medicina social e a construção da psiquiatria no Brasil. Rio de Janeiro: Edições graal, 1978.

 

Documentos sobre este órgão podem ser encontrados nos seguintes fundos do Arquivo Nacional

BR_RJANRIO_23 Decretos do Executivo - Período Republicano

BR_RJANRIO_OI Diversos GIFI - Caixas e Códices

BR_RJANRIO_AF Série Justiça - Administração (IJ2)

 

Referência da imagem

Arquivo Nacional, Fundo Correio da Manhã, BR_RJANRIO_PH_0_FOT_35126

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